30 anos se passaram desde que Elis Regina partiu para cantar em outros palcos. Mesmo que o tempo pareça grande, não foi suficiente para apagar ou mesmo diminuir a saudade que ficou nos fãs. Há cerca de nove anos uma possibilidade de alento veio junto com o início da carreira de sua única filha, Maria Rita. Com trejeitos e voz semelhantes à da mãe, não faltaram comparações e teorias conspiratórias de que a filha queria substituir a estrela no coração dos fãs. Num turbilhão de amores e ódios, a cantora estreava com a sábia decisão de fugir dessas comparações.

Mas o tempo passou e Maria Rita construiu uma carreira sólida o suficiente para encarar seus riscos. Talvez o maior deles chegue agora com a turnê Redescobrir, quando, enfim, se debruça de corpo e alma sobre o repertório imbatível de Elis Regina. “Cheguei a pensar que esse show poderia colocar uma pedra, um ponto final na minha carreira, já que passara a década negando cantar músicas de seu repertório, de abrir minha intimidade com ela”, confessa a cantora, que se apresenta neste sábado (20) em Fortaleza, para comemorar os 21 anos da Calypso FM.

Inicialmente batizada de Viva Elis, a turnê de Maria Rita faz parte de um grande projeto encabeçado pelo seu irmão João Marcelo Bôscoli que marca os 30 anos sem Elis. Começou com cinco shows gratuitos, mas logo cresceu para uma turnê nacional, cujo nome Redescobrir vem de um sucesso da Pimentinha composto por Gonzaguinha. Mesmo que Maria Rita tivesse afastado tal possibilidade no começo, o show também está previsto de chegar às lojas em CD duplo, DVD e Blu-ray em novembro.

Em entrevista por email, Maria Rita conversou com o DISCOGRAFIA sobre os detalhes íntimos que a turnê Redescobrir tem lhe despertado. Aproveitou ainda para se esquivar de questões sobre a gravidez, a saída da Warner Music (por onde lançou seus quatro primeiros trabalhos) e sobre um possível trabalho com o pai, o pianista César Camargo Mariano. Por enquanto, somente Elis Regina é quem lhe interessa.

Capa do CD duplo onde Maria Rita registra a turnê Redescobrir

DISCOGRAFIA – Muitos sentimentos seus e da plateia estão envolvidos nesse projeto em homenagem à Elis. Antes de aceitar dar inicio à essa turnê, quais eram seus maiores medos ou apreensões?

Maria Rita – Cheguei a pensar que esse show poderia colocar uma pedra, um ponto final na minha carreira, já que passara a década negando cantar músicas de seu repertório, de abrir minha intimidade com ela.  Imaginei que eu poderia virar o que nunca quis ser: a substituta da Elis, por ser filha.  Mas foi uma insegurança exacerbada de minha parte: tenho meu público, tenho minha história, tenho minhas inquietações e desejos ainda a serem traduzidos em espetáculos musicais.

DISCOGRAFIA – 30 anos depois, ainda é muito difícil para o brasileiro conviver com a saudade de Elis Regina. Para muitos, ela é insubstituível. Até que ponto você se sente dando uma continuidade ao trabalho dela?

MR – Não sinto de maneira nenhuma que dou continuidade ao trabalho dela – ela tem o dela, eu tenho o meu. Porém, uma das minhas missões nessa vida é manter seu legado vivo. Que eu o faça autorizando um filme, ou um programa de televisão, ou uma coletânea, ou uma remasterização, não importa. Neste momento, eu o faço cantando, homenageando, relembrando, reapresentando, permitindo ao público redescobri-la – tanto o que a conheceu como o que não a conheceu.

DISCOGRAFIA – A primeira vez que você cantou “oficialmente” uma música de Elis Regina foi em 2006, no especial Por toda a minha vida. Como foi aquele momento? Já existia a vontade de fazer um trabalho cantando as músicas de sua mãe?

MR – Já havia sim, até porque o repertório dela é incrível, desafiador. Aquele momento foi muito, muito difícil, emotivo para mim.

DISCOGRAFIA – No repertório do show Redescobrir, você passeia por grandes sucessos e lados B da Elis. Qual o momento mais difícil de cantar? Qual das canções exige mais de você? Por quê?

MR – “Essa Mulher” e “Se eu Quiser Falar com Deus” são muito difíceis, mas para saber o porquê, você vai ter que ir ao show…

DISCOGRAFIA – Como você selecionou esse repertório? O que você esperava desse repertório? Ele vem mudando ao longo da turnê?

MR – Não, eu não mudo repertório nunca. Monto um espetáculo pensando nas pessoas que não o viram, e não em quem já o viu. Penso em cenário que possa ser carregado pelo país afora, e não somente apresentado no eixo Rio-São Paulo. Não mudo figurino, iluminação, nada. Quanto à escolha do repertório, ouvi mais de 30 discos dela e peneirei aproximadamente 64 canções. Dessas, quando em estúdio, selecionei as que percebia ser “obrigação” e, depois, as que foram falando à alma. Um processo longo, difícil, especialmente se considerarmos a excelência de minha mãe ao escolher repertório.

DISCOGRAFIA – Rita Lee, Milton Nascimento e Gilberto Gil são três nomes importantes na carreira da sua mãe e que você trouxe também para sua carreira, seja incluindo canções deles no seu repertório, seja participando de trabalhos deles. Como é sua relação com esses compositores?

MR – Eles me tratam com um carinho muito, muito grande. Sou muito grata a essas pessoas pela força que me deram e me dão no decorrer da minha trajetória. São mais uma herança que ela me deixou – sou muito privilegiada por essas relações existirem da maneira espontânea que existem.

DISCOGRAFIA – Elis tem duas frases em que expõe suas preferências em termos de música: “Neste país, só há duas que cantam: Gal e eu” e “Se Deus cantasse seria com a voz do Milton Nascimento”. Na sua opinião, de quem é a voz mais bonita do Brasil atualmente?

MR – A minha. E a da Gal! (risos…)

DISCOGRAFIA – A turnê Redescobrir vai ser lançada em CD e DVD. O que vem depois? Você já tem algum plano em mente? E até quando você pretende seguir com essa turnê?

MR – Depois?  Uma cria pra botar no mundo!

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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