Próximo de completar seus 50 anos, Nando Reis é um homem totalmente independente. Surpreendido com o fim do contrato com a gravadora Universal, seu 12º disco acaba de ser finalizado com recursos próprios e muito cuidado para as contas de produção baterem. Lançado três anos após Drês, último disco de inéditas, Sei está sendo comercializado exclusivamente pelo site do artista e quem dá o preço são os fãs, através de uma ferramenta que faz uma média dos valores sugeridos. Até hoje, o preço do disco está em R$ 18,56.

Apesar de toda a novidade e inovação que o termo “independente” sugere, é o passado a matéria-prima de Sei. São 15 faixas compostas pelo paulistano que, juntas, formam um quebra-cabeça sobre posições, pessoas, assuntos e passagens que preencheram seus 28 de carreira. Começa com a produção de Jack Endino, americano responsável pela explosão da geração grunge (Nirvana e Soundgarden), que pilotou A melhor banda de todos os tempos da última semana, último trabalho dos Titãs que contou com a colaboração de Nando, e alguns trabalhos solo do artista.

Logo na primeira faixa, o título Pré-sal sugere a vontade do compositor em escavar suas lembranças em busca de algo valioso. Numa letra surrealista, cheia colagens e mistérios, embalada por uma pegada vigorosa de exatos sete minutos, Nando fala sobre as mãos da avó molhadas em glicerina, remédios para epilepsia e no personagem Tim-Tim, “pois do Tim-Tim eu sou um grande fã”, explica. Pra encerrar o discurso quilométrico, ele reafirma seu ateísmo, já bem sublinhado em Igreja (Cabeça Dinossauro), com a frase “crer em Cristo não é meu signo de fé”. O assunto ainda vota em Eu e a Bispa, crítica declarada à Igreja (e à gravadora?) Universal que abre disparando “nenhuma igreja assina a apólice de vida dos devotos”.

Para Vânia, namorada de colégio para quem Nando está de volta pela quarta vez, ele escreve Back in Vânia, cuja melodia é um plágio consentido de Back in Bahia, de Gilberto Gil. De forma autobiográfica, ele brinca com a cor dos próprios cabelos, fala da saudade dos amigos Marcelo Fromer e Cássia Eller, cita os problemas com drogas e encerra pedindo uma nova chance à amada (“A vida já vivida já nos deu razão, teve sofrimento e tanta alegria”). Tempos depois, na faixa Praça da árvore, ele volta à amada afirmando “só você é quem consegue me entender”.

Independente do reatar com a nova/velha paixão, a veia romântica de Nando Reis é algo inquestionável e, em Sei, mais uma leva de baladas está pronta para embalar casos de amor feitos e desfeitos. A mais bela do disco, Pra quem não vem é um blues triste e doído que conta com a voz afiada de Marisa Monte (ex-namorada do cantor) num dueto sutil e pungente. Apresentada por Ana Cañas no disco Hein?, agora Luz Antiga aparece pela primeira vez na voz do compositor e vem vitaminada com um arranjo forte de metais. Em clima de tertúlia sessentista, Coração vago é uma espécie de Only you nacional com letra gigantesca escrita quase em formato de prosa.

Os três anos que separam Drês e Sei trouxeram perdas e ganhos para a história de Nando. Ao mesmo tempo que Vânia, a quem dedica o novo disco, volta ao seu coração, o ótimo guitarrista Carlos Pontual abandona Os Infernais e é substituído por Walter Villaça. Nesse tempo, ele também reencontrou os velhos amigos dos Titãs para comemorar os 25 anos do clássico Cabeça Dinossauro e lançou Bailão do Ruivão, projeto de intérprete onde abordava Bob Marley e Wando com a mesma vontade. Agora a vontade se volta para mostrar um repertório inédito que, se não surpreende com falsas novidades, por outro lado se mostra coeso com uma carreira próxima de completar 30 anos.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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