Uma chaleira que anuncia o café que ficou pronto, os passos de alguém que andava por ali, uma motosserra valente derrubando uma árvore, um passarinho que cruza a sala. Elementos como esses poderiam interromper o trabalho de qualquer músico, caso o atrapalhassem na hora de uma gravação. Mas nem todo mundo é assim insensível. Lenine, por exemplo, estava gravando o disco Chão, quando o canto de Frederico, passarinho criado pela sogra do pernambucano, atravessou o estúdio e ficou registrado pelos microfones. Impressionado com o resultado, o músico relaxou e deixou outros sons invadirem as 10 faixas do disco.

Apesar das cores íntimas impressas em Chão, este é um trabalho feito inteiramente há seis mãos. Além de Lenine, está ali seu filho Bruno Giorgi e o companheiro de velha data Jr Tostoi, com quem ele já dividiu outros trabalhos como o Acústico MTV (2006). Cercados por uma pilha de instrumentos orgânicos e equipamentos eletrônicos, o trio montou um espetáculo especial para apresentar as novas músicas, que agora chega ao Ceará, para a abertura da 14ª Mostra SESC Ceará de Culturas que acontece nesta quinta-feira (8).

Explorando ao máximo os ruídos do disco, o show promove uma experiência diferente, com o som dos instrumentos caminhando no meio do púbico. “É uma coisa nova, que só é possível por conta do som do Chão. (A ideia) é tridimencionalizar o som”, explica Lenine, por telefone, com o sotaque típico de quem não deixou o Recife. Pra ajudar a entender essa novidade que ele está trazendo para este único show que vai acontecer no Crato, na RFFSA, ele explica que trouxe para o palco as mesmas sensações de uma sala de cinema. “No cinema, o som vem de todos os lugares. No show, isso causa uma estranheza que é bem interessante”.

 

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O fato é que Lenine, ao longo dos seus mais de 30 anos de carreira, não deixa de buscar experimentações para sua música. Seja pop, balada, rap, samba, ele sempre procura se moldar, reinventar e extrair o máximo que pode do seu violão. “Não tenho dúvida de que haja espaço para a experimentação. Antes de tudo, sou um compositor. E, como 50% do que componho não sou eu quem canto, isso me permite invadir outras searas”, comenta ele que tem uma explicação bem rápida sobre essa facilidade de dividir a própria produção com outros intérpretes: “minha formação é de socialista”.

Ao que parece, a constante reinvenção tem lhe trazido bons frutos que podem medidos, entre outras formas, pelas cinco prêmios Grammy que ele já tem em casa, além de mais duas indicações para Chão (Engenharia de som, para Bruno Giorgi, e Melhor canção, para Amor é pra quem ama), e mais a indicação para o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro pela trilha do filme A.M.O.R?, de João Jardim. Adiantando que “prêmio só é bom quando a gente ganha”, Lenine já até tem uma mandinga forte para trazer mais esses dois Grammys para casa. “Já ganhei cinco vezes e nunca fui (para a cerimônia). Como deu certo até aqui…”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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