Fotos: Sara Maia

Odair José – Ontem até me perguntaram se eu voltaria a casar com a Diana e eu lhe digo a mesma coisa: figurinha repetida não completa álbum. Tudo aquilo que você vive emocionalmente tem sempre a sua importância. Quando nós nos envolvemos, éramos muito jovens. Ela devia ter uns 17 pra 18 anos e eu não tinha nem 20. Era tudo muito garoto. Ela tinha o sonho de ser cantora, eu também, e a gente se conheceu nesse sonho. Foi importante, mas durou pouco. Eu não falo com ela há muitos anos. Foi uma coisa bonita, um grande amor. Mas foi muito tumultuado.

DISCOGRAFIA – Foi inexperiência?

Odair José – Não, é por que a gente era maluco mesmo. De repente, a gente tava muito na mídia. Quando o cara toma um tapa da mulher, por ciúme ou qualquer coisa, e o cara não ta na mídia, não acontece nada. Mas quando o Brasil fica sabendo… Teve uma vez que nós tivemos uma briga que qualquer casal briga. Mas aquilo foi tão estampado nas capas de revista que eu fui passar uns dez dias em Londres só pra não falar no assunto. Todo mundo queria falar, mas falar o que? Eu cheguei em casa atrasado, a mulher achou ruim, jogou uma garrafa, me cortou a testa, fui fazer um curativo no hospital e ficou todo mundo sabendo. O que aconteceu mais foi isso e nada além disso.

DISCOGRAFIA – Mas vocês voltaram a conversar depois, tentaram botar as coisas em pratos limpos?

Odair José – Desses três anos que eu vivi com a Diana, que deve ter sido de 1970 a 1973, foram momentos maravilhosos, foi um relacionamento muito agradável. Depois deixou de ser, ficou uma merda. Mas não tinha nada pra botar em pratos limpos, já ta tudo limpo. Cada pessoa é de um jeito. E nós temos uma filha (Clarice, 35), e eu já sou até avô por conta dessa filha. Naquele momento, a Diana achou que estava tudo certo, que o rompimento era fantástico. Depois achou que saiu perdendo e começou a falar mal de mim pra tudo quanto é lado.

DISCOGRAFIA – O que a paternidade trouxe pra ti? Ela lhe mudou em alguma coisa?

Odair José – No momento, da minha filha com a Diana, não. Foi uma coisa muito louca. Eu já estava separado da Diana quando eu saí com ela e ela disse que engravidou. Até fiquei assim, mas que porra é essa? Mas, eu nunca convivi com a criança. Fui presente, sou amigo dela até hoje, mas nós nunca moramos na mesma casa. Sempre procurei ajudar como pai. Eu acho que sou um bom pai. Tenho um amigo que diz que se pudesse nascer de novo queria ser meu filho. E tenho mais dois filhos de outro casamento. Meu baixista (Júnior Freitas, 27) do momento é meu filho. O outro (Raphael, 20) está fazendo jornalismo.

DISCOGRAFIA – O que você achou do livro do Paulo César de Araújo, Eu não sou cachorro não (que fala sobre os artistas populares, inclusive o Odair, na época da ditadura)?

Odair José – Esse livro é fantástico. Eu não conhecia o Paulo César e ele ficou um ano me procurando pra eu dar um depoimento pro livro, mas achei aquilo uma babaquice depois de certo tempo, ele me achou num hotel e eu dei entrevista pra ele. Quando o livro saiu, que eu fui ler, vi que é muito bem feito. O cara fez uma pesquisa fantástica. Eu sou o nome mais citado do livro, depois vem o Chico Buarque. O que as pessoas não sabiam é que a gente tinha sido censurado. Eu tive tantas músicas censuradas quanto o próprio Chico.

DISCOGRAFIA – Que outros problemas você teve com a censura?

Odair José – Eu tive muito problemas. Quando a (música da) pílula foi proibida, ela podia estar no disco, mas não podia ser tocada. Eu fui fazer um show no Espírito Santo, no pátio de uma faculdade e as pessoas pediram pra eu cantar a pílula. E eu, se estão pedindo, vou cantar. Quando eu terminei o show, tinha uns caras que me pegaram. “Você vai com a gente até o departamento da Polícia Federal” e tal. E eu fui, eles passaram um documento e me fizeram assinar uns documentos dizendo que eu estava ciente que não podia. Às vezes eu ia até o censor explicar. Eu cheguei a ir a Brasília, estive frente a frente com o Golbery Couto e Silva. Alguém achou que ele iria liberar a tal música, que era justamente A primeira noite de um homem.

DISCOGRAFIA – E como aconteceu esse encontro entre você e o Golbery?

Odair José – Ele não me recebeu por que aquilo era função dele. Ele me recebeu por que o (produtor) Aderbal Guimarães, que tinha estudado com ele, fez o intermédio. Ele nos atendeu por cinco minutos. Ele falou: “eu conheço um cara de pode te ajudar a liberar essa música”. O cara era o próprio Golbery (risos). E eu questionei (com o Golbery), “onde eu posso mudar a letra?”. Ele não gostou do meu questionamento e disse que o que estava proibido ali era a ideia. E eu questionei por que a minha ideia de um homem fazer sexo com uma mulher era proibido quando o Ney Matogrosso mostrava uma proposta no Secos & Molhados de andrógino, de homossexual. Ele não gostou da minha colocação e falou: “pois é, Aderbal, foi um prazer enorme”.

DISCOGRAFIA – Você teve outras músicas proibidas. Ainda tem vontade de lançar essas coisas?

Odair José – Eu nem me lembro. Eu gostaria de ter essas coisas. Eu gostaria de ser um pouco McCartney. O Paul McCartney tem tudo, o lápis que ele escreveu Yesterday. Ele tem o acesso às coisas dele. Eu não tenho isso por não poder e por ser um incompetente.

DISCOGRAFIA – Como foi aquele seu encontro com o Caetano Veloso, no Phono 73?

Odair José – O (produtor fonográfico) André Midani chegou pra mim dizendo que ia acontecer uma festa no Anhembi (SP), onde “a gravadora vai fazer três noites de encontros e o Caetano gostaria de ter você como dupla”. “Eu? Mas por que?” (surpreso). (Midani) “Por que eu não sei. Ele vai te explicar”. A gravadora me mandou pra São Paulo num avião particular pra gente se encontrar e eu saber o que é. Eu me lembro que ele falou “eu só não canto a pílula por que eu não gosto. Eu quero cantar Eu vou tirar você desse ligar”. E assim foi feito.

DISCOGRAFIA – Aquilo foi uma surpresa por que você vinha daquele “balaio” do popular e o Caetano um ícone.

Odair José – Mas, naquele momento, eles não eram vendedores de disco. O público deles não era grande. Hoje é muito grande. Mas existia sim um “não queremos Odair José com o Caetano”. Tanto que fui vaiado o tempo todo. O Caetano até sai do palco, joga o microfone no chão. Os produtores disseram pra eu ficar por que ele iria voltar. Quando ele saiu e voltou, o povo segurou as vaias. O convite foi uma surpresa, mas eu caguei e andei para aquelas vaias. Eu era e sou apaixonado pelo Caetano Veloso. Eu acho que ele está mil anos à frente de todo mundo.

DISCOGRAFIA – E o filho de José e Maria. Esse disco foi muito polêmico, você foi excomungado, chamado de ateu. Você é ateu?

Odair José – Eu sou cristão, não sou de igreja nenhuma. Por que eu acho que as religiões abrem a janela da verdade, mas põem uma cortina na frente.  Depois eu não preciso de ninguém pra me dizer como é que eu tenho que chegar a Deus. Eu acredito na fé, mas não acredito em regras que levam à fé. Acho que Deus não precisa de conceito nenhum. O que aconteceu com esse disco, em 1973, eu fui pra Roma, vi o Paulo VI e voltei de lá muito revoltado. Eu já tinha um pé atrás com esse negócio de igreja. Tanto é que a igreja já não gostava de mim por que em 1972, a pedido do André Midani, fiz uma faixa do disco Corações profanos. Tinha o Gilberto Gil, o Chico Buarque, cada um gravando uma faixa. E eu gravei Cristo, quem é você?. Eles acharam aquilo um absurdo. Mas depois eu fiz uma faixa chamada Os anjos, que a própria igreja católica usa nas missas até hoje e não sabe nem que é minha. Aí eu vou tendo umas ideias e começo a falar. O filho de José e Maria foi o fechamento dessas minhas ideias. Eu tava lendo (o filósofo libanês) Khalil Gibran e ouvindo muito rock. (explicando a ideia) Eu vou fazer um disco, com 20 músicas, onde cada música conta um momento da vida da pessoa, desde quando nasce até quando termina, seja a morte, seja o encontro da sua própria verdade, e vou botar o nome de Filho de José e Maria. E eu começo casando um cara chamado José e uma mulher chamada Maria, que estava grávida. Na Igreja Católica você não pode batizar o filho de um amigo seu se você não for casado pela própria Igreja Católica. Então, se existe esse conceito, eu gostaria de saber em que igreja os pais de Jesus Cristo casaram, por que não me consta que tenha havido um casamento ali. Até por que a Igreja Católica foi criada depois. Então, eu caso Maria e José pra não pegar mal, por que ela iria dar à luz. Mas o Filho de José e Maria não é especificamente sobre Jesus Cristo, pode ser sobre qualquer um de nós. Por eu ter sido batizado na igreja católica, apareceu um bispo lá de Campo Grande e me excomungou.

DISCOGRAFIA – Então a fama de ateu não é verdadeira?

Odair José – Eu sou cristão. De todas as coisas que têm no ar e que a gente pode acreditar, acho que a parte de Jesus ainda é a mais sensata. Não da forma que o evangélico faz. Acho tudo muito errado, mas eu não estou muito mais preocupado com isso não. Acho que Deus cada um vê da sua maneira. E o Filho de José e Maria foi muito renegado pela imprensa. O disco foi um fracasso. Dizem que o meu disco, o Araçá Azul (Caetano Veloso) e o Urubu (Tom Jobim) foram os três mais fracassados da história do disco. Mas o que acontece, de uns dez anos pra cá, eu chego nos shows e tem sempre uns garotões pedindo pra cantar alguma coisa do disco. Hoje eu canto três. Ainda vai chegar a hora que eu vou cantar o disco inteiro.

DISCOGRAFIA – E o encontro com o Zeca Baleiro, como aconteceu?

Odair José – Terminei ficando amigo do Zeca. Eu fui convidado pra cantar com o Zeca no SESC Ipiranga (SP), depois ele cantou nesse tributo (Eu vou tirar você desse lugar, 2005), aí volta e meia ele chamava pra cantar com ele em algum lugar. Depois, o Serginho Groisman fez um especial só com as pessoas do tributo. Nesse dia, tinha a Bruna Surfistinha falando sobre prostituição. Pouco depois, o Zeca me ligou dizendo, “Odair, eu viu você lá falando ‘eu vou tirar você desse lugar’, falando de prostituta. Aí, escrevi uma letra e queria que você musicasse”. Aí eu pensei, “mas uma música de puta é foda, né?”. E ele levou mais de um ano pra me convencer a gravar um disco. E disse pra pedir umas músicas a uns caras. Eu disse que não canto música dos outros, mas vamos pedir.

DISCOGRAFIA – Mas você gostou do disco?

Odair José – É um disco muito bem feito, mas eu acho que não retrata meu momento musical. Ele tá muito romântico.

DISCOGRAFIA – E como anda seu momento musical?

Odair José – Acho que ele tem que ser mais rock and roll. Tem que ser mais festa. O meu interesse é de fazer um show onde o cara não vá nem pro banheiro. Eu to com mania de fazer o show longo. Eu acho ótimo o meu show ter mais jovem, por que jovem vai pra festa. Velho não sai de casa, você tem que programar um show no navio, como faz o Roberto Carlos. Eu to fora.

DISCOGRAFIA – Hoje, você pensa em parar?

Odair José – O meu negócio é tocar no palco. Esse é meu único interesse. De dez programas de TV que me chamam, nove eu digo não. Eu gostaria de fazer no palco uma coisa que eu estou longe dela. Eu queria fazer o meu trabalho cada vez melhor. E eu só vou conseguir isso se eu fizer, fizer e fizer.

DISCOGRAFIA – A música lhe deu muito dinheiro?

Odair José – Me deu muito dinheiro, uma pena que eu não guardei. Por um período eu deixei uns 20 a 30 milhões por aí.

DISCOGRAFIA – E o que você diz hoje a quem lhe chama de brega?

Odair José – Que ele vá lá assistir o meu show. Depois ele vê o que ele acha.

DISCOGRAFIA – E o que você achou do tributo Eu vou tirar você desse lugar, onde uma turma indie regrava suas músicas?

Odair José – Eu não conhecia o cara que fez o disco. Mas ele falou uma vez comigo ao telefone dizendo que queria gravar um tributo e eu “como assim tributo?”. Até então, pra mim, tributo é quando o cara morre. Ele lançou a ideia na internet, as pessoas gravavam e ele ia filtrando aquilo que achava baboseira. Mas, quando eu ouvi, fiquei encantado.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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