Esse ano tem sido um prato cheio para o jornalismo cultural brasileiro. Só para se ter ideia, além de Paul McCartney e Jimmy Hendrix, três grandes ícones da MPB completam seus 70 anos de vida. São eles Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gilberto Gil. Enquanto os dois primeiros deixaram que as comemorações viessem de fora, Gil decidiu costurar sua história num projeto que mistura o pop da sua banda com o refino da Orquestra Petrobrás Sinfônica.

Gravado ao vivo no suntuoso Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o show Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo mostra nosso ex-ministro cercado por arranjos grandiosos escritos pelo maestro Jacques Morelenbaum e regidos por Carlos Prazeres. Misterioso e climático, o registro, lançado em CD pela Biscoito Fino, ganha espaço entre os muitos outros discos ao vivo do baiano pela formação até então inédita. São quase vinte trabalhos ao vivo, mas nunca Gilberto Gil soou tão reverente à própria história quanto agora.

Logo na abertura, na canção Máquina de ritmo, pérola pinçada do pálido Banda Larga Cordel (2008), ele manda seu recado: “Sob a leve pressão do polegar, poderei legar um dicionário de compassos pra você”. Ainda do mesmo disco, Gil filosofa em Não tenho medo da morte, enquanto aproveita para brincar com os tons mais graves ritmados pela percussão tirada do corpo do seu violão.

Em Máquina de Ritmo, Gilberto Gil aproveita o time de 46 músicos que o cerca para alargar o máximo que pode suas composições. Estrela, balada adocicada composta em 1980, mas lançada somente 17 anos depois no disco Quanta, ganha ainda mais delicadeza com a cama armada pelas cordas. O mesmo pode ser dito de Quanta, inquietação científica do compositor apresentada naquele mesmo ano.

Como o tema central do novo disco de Gilberto Gil são 70 anos de história, ele também abriu ainda espaço para homenagear seus heróis. Assim, ele relembra Tom Jobim (Outra vez), Luiz Gonzaga (Juazeiro), Jimmi Hendrix (Up from the skies) e Dorival Caymmi (Saudade da Bahia). No entanto, essas duas últimas foram reservadas para o DVD lançado agora no fim do ano. Aparentemente estranha às homenagens, o bolero Tres palavras (Osvaldo Farrés) era algo que Gil costumava ouvir na infância.

Em seguida, passando para as próprias composições, o baiano dá um banho ao caminhar pelos seus primeiros anos de compositor, com Eu vim da Bahia, até chegar à única inédita deste trabalho, Eu descobri, uma quase bossa que emenda com Meditação (Tom Jobim). Antes, a viagem passa pelo tropicalismo de Futurível, numa versão sutilmente reggae, e Panis et circenses, pela primeira vez na voz do co-autor (parceria com Caetano Veloso). Abrindo espaço entre as cordas para seu violão sempre cheio de brasilidade, o aniversariante ainda rejuvenesce Andar com fé antes de encerrar com Domingo no parque. Reverenciando o arranjo original de Rogério Duprat, Gilberto Gil se despede em clima de festa e palmas, tudo dedicado, merecidamente, a ele mesmo.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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