Fruto de uma geração marcante de músicos cearenses, Raimundo Fagner é um artista raro em diversos sentidos. A personalidade forte, a voz rascante de sotaque carregado, a interpretação emocionada e repertório que desperta amores e ódios, tudo isso ajudou a formular uma carreira que se manteve popular e crescente desde os anos 1970. As famas de “brigão” e “difícil” o fizeram acumular desafetos e confirmam a personalidade forte, mas também foram necessárias para que ele sobrevivesse de forma íntegra na música por mais de 40 anos.

E essa estrada de músicas começou oficialmente em 1973 com o lançamento de Manera Fru Fru Manera, seu primeiro LP. Lançado na extinta Polygram, o disco apresentou para o Brasil uma voz emotiva, cunhada com os pedaços da cultura nordestina. Os aboios, a seca, os repentistas, o mandacaru, tudo ali se encontra com Beatles, Jovem Guarda e outras maravilhas, até então, contemporâneas. Misturando a rica poesia agreste com um som potente de violões, sopros, guitarras e percussões, ele construiu um trabalho forte, agressivo e lírico o suficiente para merecer destaque na história da música nacional.

Antes de Manera Fru Fru Manera, Fagner já vinha acumulando experiências variadas na música. O exercício de compor, cantar e tocar já sendo trabalhado em Orós, terra onde cresceu e que adotou como berço, e Fortaleza, seu verdadeiro local de nascimento. Por aqui, ele integrou uma turma de jovens artistas que cavava espaços para tocar, como a TV Ceará e os festivais. Já em busca de se firmar na música, Fagner saiu do Ceará e foi para Brasília, depois Rio de Janeiro. Pela Cidade Maravilhosa, chegou a gravar três compactos, um deles dividido com o conterrâneo Cirino – a ideia da gravadora era transformá-los em um novo “Antônio Carlos & Jocafi”.

Em um desses compactos, lançado em 1972 na série Disco de Bolso, do Pasquim, Fagner apresentou Mucuripe, sua primeira parceria com Belchior. Sucesso absoluto e duradouro, a toada foi apresentada a Elis Regina que a regravou naquele mesmo ano. Três anos depois foi a vez do maior ídolo de Fagner gravar sua composição: Roberto Carlos. Com tanta moral, foi o momento de Roberto Menescal, diretor da Phonogram, apostar num LP completo do cearense. Criando uma ponte entre cidade e sertão, agreste e metrópole, Manera Fru Fru Manera marca um dos primeiros passos do que viria a ser uma invasão nordestina na MPB, que, ao longo daquela década, ainda iria conhecer os trabalhos de Ednardo, Amelinha, Elba Ramalho, Zé Ramalho e Alceu Valença, entre outros.

Com um conceito sonoro definido a partir das memórias afetivas de Fagner, seu disco de estreia era a visão de imigrante sobre a cidade grande. Iniciado na casa de Elis Regina e encerrado na casa de Nara Leão, Manera Fru Fru Manera tem dor da seca em Último Pau de Arara, numa gravação arrastada, seguida da homenagem a Roberto Carlos com a regravação de Nasci para Chorar. No entanto, parte dos méritos do disco acabaram embotados por uma polêmica envolvendo os direitos autorais de Canteiros, canção construída sobre versos do poema Marcha, de Cecília Meireles. Os créditos da poetisa deveriam constar num encarte com as letras, que foi retirado do projeto para diminuir custos. O sucesso absoluto da música acabou agravando uma luta pelos direitos autorais da canção. O mesmo aconteceu com Penas do Tiê, creditada como tema folclórico, quando, na verdade, trata-se de uma composição de Hekel Tavares e Nair Mesquita chamada Você.

A polêmica em torno dos direitos autorais das canções se estendeu por anos e, ainda hoje, não foi esquecida. Demorou até Raimundo Fagner confirmar que seu talento não depende de plágio ou qualquer outro recurso ilegal. Quanto a Manera Fru fru Manera quase passou despercebido do público. Forma cerca cinco mil cópias vendidas e o disco foi retirado de catálogo. Edições futuras passaram a trazer os créditos corretos das faixas, mas a família de Cecília Meireles demorou muito até entrar em acordo com o compositor cearense. Até isso acontecer, Canteiros teve que ser substituída no álbum por Cavalo Ferro e o compositor a tirou do seu set list. Depois de resolvida a pendenga, Canteiros voltou ao repertório, quando Fagner já não precisava provar mais nada pra ninguém.

Faixas de Manera Fru Fru Manera (O Último pau de Arara) (1973):

1. Último Pau-de-Arara (Venâncio/ Corumba /J. Guimaraes)
2. Nasci Para Chorar (Dion/ Dimucci/ V.: Erasmo Carlos)
3. Penas do Tiê (Folclore/ adap. : Raimundo Fagner)
4. Sina (Raimundo Fagner/ Ricardo Bezerra/ Patativa do Assaré)
5. Mucuripe (Raimundo Fagner/ Belchior)
6. Como Se Fosse (Raimundo Fagner/ Capinan)
7. Pé de Sonhos (Petrúcio Maia/ Brandão)
8. Canteiros (Raimundo Fagner/ Cecília Meireles)
8. Cavalo Ferro (Raimundo Fagner/ Ricardo Bezerra) (Lançada na edição de 1991, no lugar de Canteiros)
9. Moto 1 (Raimundo Fagner/ Belchior)
10. Tambores (Raimundo Fagner/ Ronaldo Bastos)
11. Serenou na Madrugada (Folclore/ adap.: Raimundo Fagner)
12. Manera Fru Fru, Manera (Raimundo Fagner/ R. Bezerra)

>> Mucuripe (Fagner/ Belchior) por Carlus Campos

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles