Pouca gente deu valor na época, é bem verdade. A crítica especializada então deu as costas e quis apagar esa invenção da história. Mas o fato é que Ronnie Von marcou a história da música brasileira com apenas três discos lançados bem na virada das décadas de 1960 e 70. Ainda colhendo os bons frutos do sucesso caretinha A praça, o cantor niteroiense decidiu chutar o balde e fazer discos conectados com os sons negros, a gravadora Motown, o pop e o rock inglês. Se antes o artista com cara de bom moço era o candidato ideal para casar com sua filha, ele agora posava de maluco, experimental e psicodélico, gravando discos que tornaram-se peças raras em sebos.

Bem nascido como filho de diplomata, Ronaldo Nogueira sempre esteve muito próximo das grandes novidades da música internacional. Como o pai trabalhava viajando, ele sempre recebia o que havia de mais novo nas cenas norte-americana e inglesa. Beatles, Stones e a banda psicodélica Blossom Toes, por exemplo, chegavam àquele garoto que começou a cantar na época da Jovem Guarda, mas já se sentia como um ser estranho naquela cena. Os olhos muito claros e a beleza daquele jovem logo lhe garantiram o apelido de “príncipe”, que explorava na medida do possível.

Nos anos 1960, já assumindo o nome artístico de Ronnie Von, o niteroiense ainda apresentou um programa na TV Record chamado “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”. Naquele palco ele mostrou que estava mais para tropicalista do que para “jovenguardista”. Tanto que recebia Caetano Veloso, Gilberto Gil e um trio de rock, vindo de São Paulo, que se chamava Os Bruxos. O trio meio maluco, mas super moderno, era formado por dois irmãos e uma ruivinha bem engraçada, e ninguém estava satisfeito com o nome da banda. Coube a Ronnie sugerir um novo nome: Os Mutantes, que logo foi aceito e a banda ainda se tornou atração fixa no programa.

Reunindo tanta informação vindo da psicodelia, dos Mutantes, da tropicália, do rock nacional, Ronnie Von foi atrás de apimentar sua música tornando-a mais vanguardista. O primeiro fruto dessa ideia foi lançado em 1968. O primeiro choque já vinha na capa, com o cantor de peito nu cercado pelas cores fortes de um desenho estranho que mostrava uma estrada rumo a um sol de cores fortes. A primeira música, Meu Novo Cantar, já dizia tudo.

O segundo capítulo dessa aventura psicodélica é A misteriosa luta do reino de Parassempre contra o império de Nuncamais, de 1969. Abrasileirando a psicodelia e experimentando tudo que podia em termos de som, Ronnie Von fez um som cheio de climas, ruídos e novas influências. Basta ouvir a versão rock de Dindi, originalmente uma bossa lenta de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira. Muitos puristas devem ter caído para trás com audácia do outrora gentil e respeitoso artista que acelerou a levada de uma das mais belas canções de amor do maestro soberano. O mesmo foi feito com Por Quem Sonha Ana Maria, canção de Juca Chaves já interpretada em tom oratório por Agostinho dos Santos. Com Ronnie, ela ganhou um baixo acelerado e toques de guitarra wah-wah.

Memorável também a leitura emocionada de My cherie amour, sucesso de Stevie Wonder, com letra em português de próprio punho. Cantando em notas agudas, Ronnie Von se mostra um intérprete acima da média. Ainda entre as versões, ele encerra o disco com Comecei Uma Brincadeira, tradução literal de I Started a Joke, dos Bee Gees.

Mas A misteriosa luta do reino de Parassempre contra o império de Nuncamais não é um disco só de versões. De como meu herói Flash Gordon irá levar-me de volta a Alfa do Centauro, meu verdadeiro lar é mais que um título maluco para uma faixa de abertura. É também um pedido de ajuda ao herói das galáxias. “A Terra está tão mudada desde que você viajou e seu lugar ocupado por super-heróis de papel”, diz Ronnie clamando pela volta de Flash Gordon. A música é uma parceria dele com Arnaldo Saccomani, que depois seria conhecido como jurado do programa de calouros Ídolos. Também é deles Mares de Areia, que até tem um pé na jovem guarda, mas a letra aponta para ficção científica e imagens que vão além do espaço. Na mesma toada, a balada funkeada Regina e o Mar é a terceira parceria de Ronnie e Arnaldo no álbum que foi dirigido pelo maestro tropicalista Damiano Cozzella.

Depois de A misteriosa luta do reino de Parassempre contra o império de Nuncamais, Ronnie encerraria sua trilogia psicodélica com A Máquina Voadora (1970), outra obra da qualidade espetacular. Ele seguiria lançando discos por mais um tempo, até abandonar a música e se dedicar à TV e à família. Mesmo assediado constantemente para voltar a cantar, ele foge desse compromisso e canta apenas quando se à vontade para isso. Assim, a memória dos seus trabalhos permanece intacta e ainda despertando curiosidade. Antes incompreendidos, hoje seus discos de rock são caçados em sebos e vendidos a valores altíssimos.

 

Faixas de A misteriosa luta do reino de Parassempre contra o império de Nuncamais (1969):
1 De como meu herói Flash Gordon irá levar-me de volta a Alfa do Centauro, meu verdadeiro lar (Arnaldo Saccomani/ Ronnie Von)
2 Dindi (Tom Jobim/ Aloysio de Oliveira)
3 Pare de sonhar com estrelas distantes (Tupper Saussy/ V.: Arnaldo Saccomani)
4 Onde foi (Morning girl) (Tupper Saussy/ V.: Arnaldo Saccomani)
5 My cherie amour (Henry Cosby/ Stevie Wonder/ Silvya Moy/ Ronnie Von)
6 Atlântida (Atlantis) (Donovan Leitch/ V.: Ronnie Von)
7 Por quem sonha Ana Maria (Juca Chaves)
8 Mares de areia (Arnaldo Saccomani/ Ronnie Von)
9 Regina e o mar (Arnaldo Saccomani/ Ronnie Von)
10 Foi bom (Benito di Paula)
11 Rose Ann (Silvio Brito/ Marcos Filgueira)
12 Comecei uma brincadeira (I started a joke) (R. Gibb/ M. Gibb/ B. Gibb/ V.: Ronnie Von)

>> Pare de sonhar com estrelas distantes (Tom Gomes/ Luiz Vagner) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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