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Zeca Pagodinho é um cara gente boa. Sorridente, malandro e sempre com um copo de cerveja na mão, ele conseguiu sair do underground carioca para as grandes casas de show do Brasil sem perder a pose e o discurso suburbano. Com canções em trilhas de novela, nas rádios AM e FM, populares ou não, ele é um ser onipresente nos meios de comunicação e é difícil encontrar entre os sambistas alguém que não tenha elogios a derramar sobre o rapaz.

Fiel a essa simpatia e a essa boa circulação, ele está completando 30 anos de uma carreira sem pontos baixos nem altos. Desde que se aliou à mão certeira do respeitável maestro Rildo Hora, Pagodinho adotou um modelo de samba bem emoldurado e com a brejeirice medida cuidadosamente. Talvez o melhor momento dessa parceria tenha sido em 2003, quando se cercou de cordas e domou o apetite alcoólico pra gravar um Acústico MTV.

Dez anos depois, ele tenta repetir a inspiração e quase acerta. No recente Vida que segue, projeto comemorativo que sai com a chancela Multishow Ao Vivo, tudo foi pensado para ser um grande disco. O cenário de May Martins é belíssimo e se encanta com as mudanças de luzes. As boas interpretações do pagodeiro (um elogio pouco valorizado) de 54 anos estão ao lado de pérolas do samba, como Trem das onze (Adoniran Barbosa) e O sol nascerá (Elton Medeiros/ Cartola). O time de músicos também não é brincadeira: mestre Rildo, Paulão 7 Cordas, Mauro Diniz, Henrique Band. Até o precioso violonista cearense Zé Menezes se faz presente.

0705va0603No entanto, à medida que a uma hora de espetáculo vai seguindo, uma sensação de deja vú vai tomando conta do público. Aquilo que poderia ser um produto para elevar o samba e o pagode ao nível de que merece, acaba bambeando entre o popular e o populismo. Mais ainda quando se observa que a ordem das canções é diferente no CD e no DVD. Fica difícil entender para que público ele está falando.

No vídeo, depois de uma inexplicável abertura que mais parece propaganda de cerveja, Zeca Pagodinho dá um banho de ginga ao lado de Yamandú Costa (violão 7) e Hamilton de Holanda (bandolim). O encontro é sublime e renderia um disco inteiro, mas acaba se resumindo a duas faixas, Gosto que me enrosco (Sinhô) e Preciso me encontrar (Candeia), esta segunda engrandecida com o reforço de Marisa Monte. Em disco o encontro fica melhor alocado lá na quinta faixa. Além dela, outros convidados marcam presença, como Paulinho da Viola e a Velha Guarda da Portela, mal aproveitados em Foi um rio que passou em minha vida (Paulinho da Viola). Leandro Sapucahy faz pouco em Batuque na cozinha (João da Baiana). E Xuxa não faz outra coisa além de ser a Xuxa, no samba É a vida que segue (Serginho Meriti/ Rodrigo Leite/ Cocão), cuja letra merece atenção.

Funcionando mais como ideia do que obra, Vida que segue também tem seus grandes momentos. Opinião (Zé Keti) é feita com força e sinceridade, e bota Pagodinho reverenciando o samba de protesto, assim como em Barracão (Oldemar Magalhães / Luiz Antônio), do repertório da divina Elizeth Cardoso. Outra de Zé Keti (e Elton Medeiros), Mascarada é um dos grandes momentos do show, com sua melancolia cortante preservada. A matreira Só o ôme fica ainda mais hilária com os sorrisos do carioca. O repertório é um primor, repleto de canções que já ganharam as mais variadas interpretações. Com Zeca Pagodinho, elas ganham pouco e parecem aprisionadas a uma fórmula intransponível. Para quem comemora 30 anos de carreira, bem que ele poderia mostrar mais ousadia.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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