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Embora tenha nascido em Montevidéu, Uruguai, Taiguara Chalar da Silva deve ser reconhecido como um dos nomes mais importante da música brasileira. Vivendo infância e juventude entre Rio de Janeiro e São Paulo, esse filho de badeonista com uma cantora se tornou um dos gigantes da Era dos Festivais, como intérprete e compositor de pérolas inesquecíveis como Modinha, Viagem ou Universo no teu corpo. Fazendo de voz e piano também um instrumento de protesto, Taiguara foi ainda um crítico ferrenho da Ditadura Militar e, por consequência, tornou-se um dos compositores mais censurados da época.

Tanto foi, que a enorme popularidade não foi suficiente para segurar o músico de ideias comunistas no Brasil e, em 1973, ele se mandou para Londres. Achando que o clima estava mais brando, voltou dois anos depois, trazendo na bagagem um projeto grandioso, onde revolvia suas raízes indígenas, sua história e o Brasil que havia deixado para trás. O projeto, batizado de Imyra, tayra, ipy, chegou em 1976 e só passou 72 horas nas lojas, até ser recolhido pela censura federal e ficar esquecido por quase 40 anos.

Taiguara_kuarup2013Como os direitos de Imyra, tayra, ipy foram comprados por produtores japoneses, ele nunca foi relançado no Brasil. Até agora, quando a Sony Music devolveu para as prateleiras alguns títulos da Kuarup, gravadora que dedica seu catálogo à raiz da música brasileira. Ao lado de trabalhos de Paulo Moura (1932 – 2010), Teca Calazans, Xangai, Heraldo do Monte e outros, Imyra, tayra, ipy tem um sabor especial por fazer justiça a um dos compositores mais emblemáticos dos anos 1960 e 70, mas que teve sua voz calada pela teimosia tacanha da Ditadura.

Aliás, ouvindo Imyra, tayra, ipy, não é difícil entender a implicância dos militares. As 14 faixas do disco – 13 de Taiguara – trazem palavras contundentes, difíceis de serem engolidas por um regime político que não admite discordâncias. Em Público, por exemplo, ele cutuca a organização dos festivais “passando na cara” sua importância para aqueles eventos (“Eles querem lotar o Maracanã e precisam de mim, lá vou eu”). Em seguida, outros disparos seguem em Terra das palmeiras (“sonhada terra das palmeiras, onde andará teu sabiá?”), Situação (“volta sempre um momento na história em que mais um império deixou de ser”) e Primeira bateria (“Liberdade, quero até morrer com você”). Sabendo que poderia ter problemas, Taiguara chegou a registrar algumas músicas com o nome da esposa ou usando apenas o sobrenome Chalar.

Dividido entre peças orquestrais e canções, Imyra, tayra, ipy foi um projeto grandioso que envolveu quase uma centena de músicos. Os arranjos foram divididos entre Taiguara e o bruxo Hermeto Pascoal, o que já demonstra a vontade de sair do comum. A orquestra de cerca de 80 músicos foi regida pelo maestro Wagner Tiso. A influência dos mineiros também aparece na regravação de Três pontas, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, e na presença do violinista Toninho Horta. Além dele, Jacques Morelembaum, Novelli, Nivaldo Ornellas e outros instrumentistas referenciais marcam presença. O título do álbum é um mantra tupi que se refere ao tempo e ao homem.

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Outros relançamentos recentes têm trazido o nome de Taiguara de volta de um injusto ostracismo. É o caso da coletânea dupla Taiguara Festivais, lançada pelo selo Discobertas, que reuniu todas as participações do cantor e compositor em diversos festivais de música. Tem ainda o tributo A voz da mulher na obra de Taiguara (Joia Moderna), que reuniu 14 cantoras para dar nova voz às canções do uruguaio. Fora isso, raros são os discos dele que foram lançados em formato digital. Um verdadeiro prejuízo que transcende a música e atinge a história do Brasil.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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