Foto: Sara Maia

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De uns anos pra cá, artistas considerados de gosto duvidoso nas décadas de 1970 e 1980 ganharam uma revisão generosa de suas obras. Reginaldo Rossi, Agnaldo Timóteo, Waldick Soriano (1933 – 2008), Fernando Mendes e muitos outros que passaram pelo palco anárquico do Chacrinha estão nesse time. Como o tempo redime quase tudo, antes eles eram bregas. Hoje eles são cult.

Outro grande expoente desse time é o goiano Odair José. Polêmico, sincero e levando muito a sério seu trabalho, o cantor e compositor de Morrinhos chocou o público mais conservador cantando histórias de prostitutas, onanistas, perdas de virgindade e outras situações pouco edificantes do ser humano. Pra complicar sua situação, isso aconteceu em plena Ditadura Militar, quando a menor intenção de ousadia parecia subversão.

Esse último elemento, em especial, até provocou o jornalista Paulo César Araújo a escrever Eu não sou cachorro não (2002), livro que mostra que não foi só a MPB mais ilustrada – Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, principalmente – que teve problemas com os militares. Os tais cafonas também sofreram muita censura. O que não era para menos, uma vez que, ao menor sinal de “ameaça”, a tesoura militar cortava o que bem queria.

Ainda assim, as canções de Odair José permaneceram fazendo sucesso e muito grande. Muitas delas foram lançadas logo nos primeiros discos do artista, agora reunidos num box quádruplo da série Quatro Tons (Universal). Esta noite você vai ter que ser minha, Uma vida só e Deixe essa vergonha de lado são alguns dos escândalos que garantiram ao cantor, naqueles primeiros anos da década de 1970, os títulos de “terror das empregadas” ou “Bob Dylan da Central do Brasil”.

0511va0603Mas o curioso é que ele não está interessado nesses títulos. Como dito, Odair leva muito a sério seu trabalho. Aquele mundo que muita gente tenta esconder, mas que é frequentado por muitos pais de família, é um mundo que ele conheceu de perto. Numa espécie de oposição ao amor classe média de Roberto Carlos, grande ídolo da sua geração (que nunca aceitou o título de cafona), Odair José falava ao povão sem medo de soar agressivo. Tudo era posto às claras, sem arrodeios ou figuras de linguagem.

Tanto despudor fez com que o compositor fosse renegado pelos ditos letrados, mas nunca esquecido. Na medida do possível, foi até reconhecido. Caetano Veloso o convidou para um dueto em 1973. Décadas depois, numa fase mais apagada, artistas da cena indie nacional – Mundo Livre S/A, Mombojó e Los Pirata – resolveram prestar-lhe o tributo Eu vou tirar você desse lugar (2006). E no ano passado foi a vez de Zeca Baleiro produzir Praça Tiradentes, primeiro disco inédito depois de seis anos sem lançamentos.

Existe sim um clima jocoso em torno das canções bregas. E muita gente resolveu fazer graça com as dores de corno e amores mal resolvidos, criando uma caricatura para o brega. Odair José, Waldick Soriano e outros contemporâneos são de outra lavra. Existe sinceridade e história por trás do que eles têm a dizer. E é por isso que, passados os anos, a curiosidade e o interesse pelos seus trabalhos vão se renovando.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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