DANIEL06Como um dos assuntos preferidos de poetas e compositores, o amor já foi cantado das mais diversas formas. É festeiro na axé music; destruidor no blues; supremo no jazz; ensolarado na bossa nova; adocicado no pagode; e motivo de exaltação no samba. A lista é comprida, mas, quando ele chega melancólico com a geração Los Hermanos, é possível perceber que esse sentimento ainda tem muito para abastecer os artistas.

Não é à toa que é o amor o assunto principal de Giramundo, surpreendente estreia solo do cantor Daniel Groove. Apesar das perdas e danos, o disco trata esta “ferida que dói e não se sente” como algo indispensável entre os homens. Até quando a separação se mostra ainda viva, a necessidade de recomeçar está ali do lado para segurar as pontas. Por isso, as 10 faixas – distribuídas gratuitamente pelo essencial Musicoteca – vêm embebidas de sons abertos, notas alegres e ritmos que captam os ouvintes de imediato.

Capa-GiramundoDaniel Saraiva Costa é um cearense, que, há mais de dois anos, mudou-se de vez para São Paulo, lugar para onde vão os músicos brasileiros em busca de um público mais aberto às possibilidades. Por aqui, ele ficou conhecido à frente da banda O Sonso, com quem gravou disco em 2010. O corpo alto, os braços longos e a barba espessa ajudam a compor o personagem de voz aguda e afinada.

Giramundo foi produzido pelo compositor Saulo Duarte, nascido em Belém e criado em Fortaleza. Vocalista e principal compositor da banda A Unidade, ele lançou um ótimo disco em 2012, pela gravadora paulistana YB, que conta com a participação de Daniel. Os trabalhos do cearense e do paraense se assemelham na vontade de fazer um som pop inteligente, cheio de boas influências, que vão da MPB ilustrada ao brega mais popular.

Diferente do rock mais assumido do Sonso, Giramundo tem delicadezas que se engrandecem na forte e límpida interpretação de Daniel Groove. Em muitos momentos seu registro vocal faz lembrar um Nando Reis dos anos 1990, principalmente nos momentos em que o folk fala mais alto. É o caso da ensolarada faixa de abertura, Quem será que gosta mais, cujo arranjo ressalta a participação de cada instrumento, onde se destaca a guitarra esperta de David Dafré.

A faixa seguinte, Você sabe muito bem o que me resta, confronta as notas pungentes de Groove com os graves tristonhos de Saulo Duarte, criando um blues feroz endereçado a quem ficou de vir e não veio. “Eu não meço as palavras que digo quando digo só o que sinto”, dizem num desabafo costurado pelos teclados progressivos de João Eduardo Vasconcelos. Se a faixa anterior trata de separação, Eu vou correr, esconde a saudade e faz as pazes com a solidão. “Dizer ‘te amo’ relevando o que perdeu é muito mais gostoso que viver sem se arriscar”, palpita.

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A tônica de Giramundo segue na esperança de um novo amor, de novas esperanças. Vai da encabulada Canção de amor, passa pela soturna faixa título – “Vou buscar na noite escura o que se perde em não lembrar que o dia sempre amanhece” – e chega na meiguice juvenil de Deixa, que ganha profundidade com o baixo do “cidadão instigado” Rian Batista. Essa viagem apaixonada de Daniel Groove chega ao seu ponto máximo em Novo brega, que transpira os cacoetes roqueiros de Odair José. Tem direito até a um tecladinho safado feito por João Leão.

À medida que Giramundo vai chegando ao fim, vai se tornando também mais nostálgico. Mas nada de jogar a toalha. É como se o tempo fosse ensinando a conviver com as situações do coração. Pequena é uma balada arrasadora, cheia de silêncios, que explode no desejo de se dar uma nova chance. Nessa mesma intenção, chega o blues tristonho Nada (“Nada vai fazer com que eu me desfaça de tudo e nem por um segundo vou fugir”), dividido com o vocalista do Los Porongas, Diogo Soares. Pra encerrar, Tudo tem uma levada rancheira, com teclados alucinados, e fecha a conversa fazendo um balanço do que a vida leva e traz. Medos, desejos, sonhos e pessoas fazem parte da vida e nas mãos de Daniel Groove viraram música da melhor qualidade.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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