disco_capaOra submissa, ora pronta pra briga, Clara Valente usou seu disco de estreia para acertar as contas com um amor que já anda longe. Trabalho independente produzido por Maurício Pacheco, Mil coisas traz nove faixas da cantora e compositora carioca, ao lado de vários parceiros, cujo tema principal é o lar desfeito, com todas as suas tristezas e tentativas de seguir em frente. No entanto, pra bem dos ouvintes mais sensíveis, a variedade rítmica do disco evita que tudo caia numa choradeira melancólica.

A faixa título, parceria com Rafael Gryner, por exemplo, é um bem temperado afrobeat, onde a jovem de 28 anos deixa tudo claro: “posso fingir ser uma, mas eu sei que não me satisfaz”. Logo em seguida, Encanto, parceria com Diogo Cadaval, segura o ritmo para Clara seguir em frente depois que ele foi pra não mais voltar. Em clima de sambajazz, Se eu falo poderia estar tranquilamente no repertório de Elza Soares. Mas é a autora quem defende suas palavras e com muita classe.

Além de boas composições, Mil coisas conta com uma banda que merece registro. Donatinho nos teclados, Stephane San Juan na bateria, Alberto Continentino no baixo e Carlos Malta nos sopros, por exemplo. É pouco? Pois ela contou com os argentinos da Orquestra Típica Fernández Fierro para aumentar a dose de sensualidade do tango Ao cais. A única regravação de Mil coisas é Feminina, composição de Joyce Moreno que deu nome ao seu disco de 1980. Aqui, ela se justifica por se tratar de uma bandeira feminista, o que se alinha ao tom das outras letras. Ainda assim, fica claro que o disco se sustentaria se fosse 100 % autoral. Uma raridade nos dias de hoje.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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