bob-dylanDesde a estreia, em 1962, Bob Dylan impôs vários desafios para a própria estrada. Primeiro, abriu mão da linha “voz, violão e gaita” e foi chamado de “Judas” quando “se rendeu” ao rock and roll elétrico. Depois abandonou a canção de protesto para falar do espírito numa época conhecida como fase gospel, o que também largou para voltar ao repertório clássico. Como as mudanças traziam impactos profissionais e pessoais, o músico chegou aos anos 1990 cansado da vida e pensando em se aposentar.

Foi nesse clima que, em 1992, Dylan recebeu uma grande homenagem pelos 30 anos do seu disco de estreia. Mesmo sem uma proposta redentora, The 30th Anniversary Concert Celebration promoveu um desfile de lendas tão inacreditável que mostrou ao próprio homenageado até onde chegava sua influência. Entre os convidados, estavam Ron Wood, Lou Reed, Johnny Cash, Willie Nelson e, como se não bastasse, ainda houve espaço para George Harrison e Stevie Wonder. Eles se encontraram no lendário Madison Square Garden, em Nova York, no dia 16 de outubro de 1992 e realizaram uma homenagem apoteótica a um artista que sempre optou pela discrição.

71i7T7SZrHL._SL1500_Na época, a apresentação rendeu lançamentos em CD duplo, LP triplo e VHS, e foi transmitido pela TV em alguns países (incluindo o Brasil). Passados 22 anos, a Sony Music relança o show em CD e DVD duplos e Blu-ray. O registro em vídeo, pela primeira vez em formato digital, vem com cenas inéditas do show e dos bastidores, além das performances inesquecíveis de Neil Young, incendiando All along the watchtower, e Richie Havens reconstruindo a cortante Just like a woman. Escudeiros de Bob na sua fase elétrica, a The Band reuniu membros de várias fases para tocar When I paint my masterpiece. Tudo com um ar de informalidade bem ensaiada.

Mas nem tudo foram flores em The 30th Anniversary Concert Celebration. Vivendo seu inferno astral depois de rasgar a foto do papa João Paulo II diante das câmeras da TV americana, quando participava do humorístico Saturday Night Live, Sinéad O’Connor foi recebida no Madison Square Garden com uma chuva de vaias. Com a tensão estampada no rosto angelical, a cantora irlandesa interrompe a banda nos primeiros acordes de I believe in you e, de forma atropelada, sem métrica ou acompanhamento, volta a cantar War, de Bob Marley, a mesma que havia cantado 13 dias antes na TV.

George Harrison e Bob Dylan em ação na festa que comemorou 30 anos de carreira do compositor de Like a rolling stone

George Harrison e Bob Dylan em ação na festa que comemorou 30 anos de carreira do compositor de Like a rolling stone

Surgindo como uma nova promessa do folk (nunca confirmada), Tracy Chapman comparece com seu violão e faz uma versão honesta de The times they are a-changin’. Um ano depois do Pearl Jam ser aclamado com o álbum Ten, Eddie Vader e Mike McCready entram na festa e sublinham cada palavra de Masters of war. E próprio homenageado sobe ao palco para encerrar as quatro horas de show. Sem sorrisos ou agradecimentos, ele abraça o violão e começa os versos de It’s alright, ma. Depois chama os amigos para dividirem My back pages e Knockin’ on heaven’s door.

Diferente de tantos tributos caça-níqueis por aí, The 30th Anniversary Concert Celebration se destaca pelo clima de reunião de amigos, o que fica claro nos 40 minutos de cenas de bastidores. Ninguém está ali por acaso. Todos têm alguma relação com Bob, seja por amizade, influência artística ou admiração. Isso vale para a banda de apoio, que conta com gente do tipo Booker T. Jones, Steve Crooper e Al Kooper. Tanta gente boa junto ajudou Bob Dylan a colocar a carreira nos eixos e lançar, tempos depois, o elogiado Time out of mind (1997). E, claro, ele desistiu da aposentadoria.

E tem mais:

Nos 22 anos que separam a gravação e o lançamento no Brasil de The 30th Anniversary Concert Celebration, a música perdeu alguns dos convidados daquele show lendário. Conheça alguns deles:

johnny-cash> Johnny Cash (1932 – 2003) – Apelidado como “o homem de preto”, Cash era a personificação da música country. Ao lado de June Carter, ele levou uma carreira de altos e baixos, contada no filme Johnny & June (2005).

 

george_harrison> George Harrison (1943 – 2001) – Nada menos que um beatle, o compositor acabou sendo eclipsado pela parceria Lennon/McCartney. No entanto, com o fim da banda, ele confirmou seu talento com o triplo All things must pass.

 

johnny-winter> Johnny Winter (1944 – 2014) – Falecido na última quarta-feira (16), o guitarrista lançou seu primeiro disco aos 15 anos. A mistura de rock, blues e country encontrava o lugar perfeito nas mãos deste albino texano.

 

Richie heavens> Richie Havens (1941 – 2013) – Natural do Brooklin, Havens não recebeu a devida atenção depois de abrir o antológico festival de Woodstock. Com um modo único de tocar e cantar, suas interpretações eram profundas. Caso de San Francisco bay blues.

 

f77 reed> Lou Reed (1942 – 2013) – Líder do Velvet Underground na década de 1960, Lou marcou a música pop falando sobre submundo, pobreza e viciados. Como artista solo, lançou o obrigatório Transformer (1972) e fez parcerias com Metallica e John Cale.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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