14Bossa Negra_Rafae¦é Silva4Como alertou Paulinho da Viola, o samba passou por muitas transformações ao longo da sua história. Foi samba-canção nas vozes dramáticas de Angela Maria e Dalva de Oliveira, e alegre e colorida com Carmen Miranda. Se uniu à soul music com Jorge Ben e se inundou de mar com Dorival Caymmi. Do morro erudito de Cartola e Nelson Cavaquinho, o samba desceu e fez sucesso com as vozes de Clara Nunes, Alcione, Beth Carvalho. E, nas mãos de Vinicius de Moraes e Baden Powell, o ritmo mais brasileiro reencontrou suas raízes africanas.

Para Diogo Nogueira e Hamilton de Holanda, os afro-sambas de Vinicius e Baden foram o ponto de partida do trabalho que, pela primeira, os uniu em disco. No entanto, o disco Bossa Negra, recém-lançado pela Universal, passeia por muitos criadores do samba. Filho de João Nogueira (1941 – 2000), Diogo tem se dividido sua carreira entre o trabalho próprio e o resgate da memória do pai – algo bastante facilitado pelas semelhanças vocais entre pai e filho. Já Hamilton é um renovador do bandolim, do choro e um dos mais requisitados músicos brasileiros. Entre a agilidade impressionante e a delicadeza como compositor, ele tem reunido admiradores dentro e fora do Brasil.

E foi justamente no exterior que brotou a semente deste Bossa Negra. Embora tenham se conhecido em 2004, no casamento do irmão de Hamilton, foi somente cinco anos depois que o bandolinista dividiu um show com Diogo Nogueira, em Miami. “Foi tudo no feeling, escolhendo as músicas que nós sabíamos”, lembra o cantor, por telefone, que, naquele capamomento, viu que o encontro poderia render um caldo mais saboroso. Agregando o baixista André Vasconcellos e o percussionista Thiago da Serrinha, a dupla foi montando um repertório – de regravações e inéditas – que pudesse costurar a trajetória do samba sem didatismos e com muita fluidez. “Nesse momento que decidimos compor, foi dada a largada. Eu mandava a melodia e o Diogo completava”, completa Hamilton.

Do título, que remete à obra clássica de Elza Soares lançada em 1961, à última faixa, Até a volta (canção praieira de Diogo, Hamilton e Marcos Portinari), Bossa negra homenageia, mesmo que implicitamente, todos que contribuíram de alguma forma para a evolução do samba. “Acaba que, se você ouve (essas influências), é por que é isso mesmo. Queríamos temas que tivessem a ver com bossa negra e veio esse pessoal todo, como o Caetano Veloso”, explica Hamilton de Holanda, citando o baiano de quem eles refizeram Desde que o samba é samba, com ritmo puxado pro samba reggae.

Enquanto planeja um box com discos clássicos de João Nogueira, Diogo ainda lembrou uma parceria inédita do pai com Paulo César Pinheiro. Versando sobre os poderes mágicos da música, Salamandra é a mais afro-samba do repertório. “Eu já sabia que existia essa música e sabia cantarolar. Conversando com o Hamilton, resolvemos botar no disco e pedimos a letra original para o Paulo César”, lembra o cantor que estende sua homenagem à geração de João com um pot-pourri de Mineira, um tributo a Clara Nunes (1942 – 1983), e Samba do arerê, grande sucesso de Beth Carvalho.

Na sonoridade mínima de Bossa negra, o quarteto cresce ao extrair o máximo de sons dos seus instrumentos. Entre solos e bases, Hamilton de Holanda mostra por que seu nome tornou-se uma unanimidade nas últimas décadas. Seus dedos ágeis procuram espaços vazios nas melodias e impõem um toque no mínimo perfeito. Já Diogo Nogueira honra sua história, que começa no nome do pai, e imprime força e alegria ao seu canto. Diferente do adocicado e populista Mais amor (2013), aqui o cantor expõe tudo que aprendeu convivendo grandes nomes da música brasileira. E desses encontros todos, surge um trabalho sem arestas que reverencia a monarquia do samba. Sem dúvida, Bossa negra vai figurar entre os melhores do ano e não deve ser esquecido.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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