ÔêÅAndreConti14_0283Desde que foi redescoberto pelo mundo, lá nos idos de 1990, Tom Zé tornou-se uma personalidade maior que a própria música. Suas declarações tornaram-se verdadeiros happenings reproduzidos à exaustão (até quando não são compreendidos) nas plataformas digitais. Mesmo que esteja compondo mais e melhor do que nunca, suas aparições acabam chamando mais atenção do que bons discos, como Com defeito de fabricação (1998) ou O pirulito da ciência (2010).

Por outro lado, há momentos em que essas mesmas plataformas se voltam contra o baiano de Irará. Foi o que aconteceu no primeiro semestre de 2013, quando se viu alvo de críticas virtuais depois de participar de um comercial da Coca-Cola ligando as qualidades do povo brasileiro ao refrigerante. A polêmica gerou o apressado EP Tribunal do feicebuqui, onde o compositor assume o papel do algoz – “Que decepção/ Traidor, mudou de lado/ Corrompido, mentiroso/ Seu sorriso engarrafado” – e encerra questionando: “Que é que custava morrer de fome só pra fazer música?”.

maxresdefaultUm ano depois, Tom Zé volta a dialogar com a mesma geração o que atirou na lata dos vendidos no recente Vira-lata na via láctea. Neste 15º álbum, o artista que acaba de completar 78 anos reúne novos e velhos amigos para reavaliar os novos tempos. Com boa dose de cinismo e veneno, ele abre os trabalhos com a batucada lenta e pesada de Geração Y. O termo que dá nome à música se refere àqueles que nasceram após os anos 1980, numa época de avanços tecnológicos, liberdades democráticas e estabilidade econômica. “Os nossos ideias, quem diria, no mesmo camburão da burguesia. Puta, que tragédia desaba sobre nós logo depois que a ilusão tem voz”, dispara.

Mesmo que, aparentemente, os fãs já tenham novas polêmicas para se preocupar, Tom Zé aproveita o novo disco para pedir ajuda ao Papa Francisco. “Sou a garotinha ex-tropicalista, agora militando em um movimento. Já não penso mais em casamento, mas se tomo Coca-Cola acho que estou me vendendo”, ironiza, enquanto também aponta um samba cheio de “sujeiras roqueiras” para imprensa brasileira. “A formiga carrega a folha do estado de São Paulo ao Piauí. Enquanto isso, a cigarra quer ser vip pra sair contigo na capa da Ti ti ti”, diz o tema dividido com Criolo. Além do rapper paulista, a lista de convidados em Vira-lata na via láctea traz jovens nomes como Trupe Chá de Boldo, Filarmônica de Pasárgada, Tatá Aeroplano e a banda O terno.

Dois velhos companheiros da época dos festivais de música também comparecem no trabalho que estreia ao vivo em São Paulo, no próximo dia 31. O primeiro é Milton Nascimento, que canta em Pour Elis, homenagem à saudosa Pimentinha composta em 1982, mas que permanecia inédita. A letra, que chegou a ser declamada pela própria cantora gaúcha no show Trem Azul, foi composta pelo mítico produtor musical Fernando Faro e, após a morte de Elis, entregue a Tom Zé para colocar melodia. A ideia de convidar Milton partiu do diretor musical Marcus Preto.

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O segundo convidado é Caetano Veloso, que encerra Vira-lata na via láctea com a melodiosamente estranha Pequena suburbana. O encontro dos tropicalistas encerra outra polêmica, deflagrada quando o filho de Dona Canô elogiou o disco Tropicália Lixo Lógico e recebeu de volta do companheiro de movimento um “vai tomar no c*” e a acusação de que havia “se apossado” de um legado artístico que pertenceria a Tom Zé. “A vida é suicida e quando pega não controla mais o barco que navega” encerra o disco do astronauta libertado que, entre galáxias e mares turbulentos, segue seu caminho tortuoso e relevante na música.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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