My beautiful pictureHá alguns anos, uma série de lançamentos vem tirando a poeira que se deitou sobre a obra de Taiguara Chalar da Silva. É o caso da coletânea dupla com as participações do compositor em muitos festivais das décadas de 1960 e 70. Depois de três anos da gravação em estúdio, também está sendo apresentado o DVD ao vivo A voz da mulher na obra de Taiguara, com a participação de nove cantoras, entre elas Fafá de Belém, Célia e Cida Moreira. E no ano passado foi a vez do relançamento do álbum Imyra, Tayra, Ypi, Taiguara, imensa viagem experimental lançada em 1976 que só permaneceu 72 horas nas lojas, até ser recolhida pela censura federal.

Ser perseguido pela tesoura do governo militar era algo que já fazia parte do cotidiano deste músico nascido em Montevidéu, Uruguai, e crescido no Brasil. Embora o público se derretesse pelo seu modo quente e poético de falar de amor, a política era algo que lhe apertava o peito e o movia. Isso é o cerne da biografia Os outubros de Taiguara, que marca a entrada da gravadora Kuarup no meio editorial. Junto com o livro, sai o disco Ele vive, com canções inéditas que ficaram esquecidas nos arquivos do compositor de Universo do teu corpo.

capa_livroOs outubros de Taiguara foi escrito pela jornalista Janes Rocha. Mais ligada ao jornalismo econômico que ao cultural, a autora afirma no texto que não conhecia o uruguaio até ser convidada para o projeto. No entanto, ao se debruçar sobre o biografado, a empatia foi imediata. De fato, a história do compositor é única na música popular brasileira. Sem nunca ter pertencido a nenhum movimento cultural, este filho de músicos foi um gigante da era dos festivais e morreu no mais completo ostracismo, em 1996, vitimado pelo câncer.

A censura federal foi a grande responsável pelo definhamento da carreira de Taiguara, que alimentava a sanha policial com longos discursos e posturas cada vez mais radicais. Marxista ferrenho, ele não bebia Coca-cola nem usava jeans. Entre seus amigos estavam líder Luis Carlos Prestes (a quem dedicou a canção O cavaleiro da esperança) e o educador Paulo Freire. Como resultado disso, foi um dos nomes mais visados pela caneta federal tendo mais de 80 músicas oficialmente proibidas de serem gravadas ou cantadas publicamente.

Como Taiguara se viu sufocado e abandonou a carreira, uma parte substancial de sua obra acabou ficando inédita e outras até inacabadas. Onze destas preciosidades estão presentes em Ele vive, ao lado dos sucessos Modinha, Helena, Helena, Helena, Hoje e Outubro. Estas últimas surgem em pungentes versões ao vivo, interpretadas apenas ao piano. Já as inéditas foram retrabalhadas a partir dos registros deixados em fitas cassetes. Acrescidas de teclados, baixo e outros instrumentos, as faixas ainda preservam uma crueza que dá a entender que algumas delas estavam sendo criadas no momento da gravação.

As canções de Ele vive revelam a porção mais militante de Taiguara falando sobre a exploração da mulher (Conflito), questões raciais (Sou negro) e igualdade social (O catador de milho). Mesmo sem muita bossa, também é esse lado combativo que ressalta na biografia Os outubros de Taiguara. Sem receber ou dar trégua, foi denunciando desrespeitos e tomando pancada que ele se tornou “brasileiro”. Que em 2015, seus 70 anos de nascimento sirvam de mote para mais lançamentos.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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