DSC_0250Quando o cantor Luiz César Pereira Caldas apareceu da TV, de blusa aberta, se requebrando ao som de Fricote, poucas pessoas devem ter se dado conta que um novo capítulo da música brasileira começava a ser escrito. Era 1985, época em que o Brasil estava mais ligado das guitarras do rock nacional e anunciava um novo começo de era vindo da cidade do Rock in Rio. Na contramão dessa turma, o baiano de Feira de Santana deixou o discurso político dos roqueiros de lado para iniciar outra história, que ficou conhecida como Axé Music.

O termo foi criado pelo jornalista baiano Hagamenon Brito para escrachar aquela turma que veio na cola de Luiz Caldas. A ideia de unir a “axé”, saudação do candomblé, com o “music” ironizava as pretensões internacionais do estilo e fazia pouco de um estilo, até então, visto como brega e passageiro. Trinta anos se passaram e as previsões do jornalista, mais ligado à escola do rock, não se confirmaram. Pelo contrário. Timbalada, Banda Eva, Sarajane, Daniela Mercury, Netinho e outros tantos baianos reinaram absolutos nas rádios e trios elétricos dali até meados da década seguinte.

A canção Fricote nasceu quando o parceiro Paulinho Camafeu ouviu uma brincadeira de dois homens dirigida a uma mulher que andava pelo Pelourinho, famoso bairro soteropolitano. “Pega ela aí!” “Pra quê?” “Pra passar batom!” Daí veio o refrão da música mais conhecida como Nega do cabelo duro. E Luiz Caldas não esconde o orgulho de ter iniciado essa história que acabou influenciando a música brasileira como um todo. “A Axé Music ocupou e ocupa uma fatia do mercado da música, fortaleceu e fortalece o Carnaval de Salvador e fez e faz explodir as micaretas pelo Brasil. A sonoridade em si, por ser híbrida, valorizou e valoriza em certa medida o campo percussivo e trouxe consigo a dança de rua”, analisa em entrevista por email.

FNo entanto, passados 30 anos, a Axé Music mudou de mãos e já não tem o mesmo apelo dos tempos áureos. Mesmo no Carnaval baiano, outros estilos, como o sertanejo universitário e o forró, já subiram o trio para dividir a festa com a música local. Luiz Caldas minimiza comentando que “tudo na vida é cíclico”, por isso “é natural que algumas carreiras estejam perdendo fôlego”. Para Margareth Menezes, novos nomes, como as bandas BaianaSystem e Outros Baianos, ajudam a manter a música baiana pulsando. “O gênero está estabelecido e o pessoal continua trabalhando. Acho que é um ritmo que não sai mais da memória, principalmente quando chega o verão”, destaca. A cantora, que chamou a atenção do antenado David Byrne quando interpretou “Faraó” em 1987, por outra lado, relativiza essas três décadas lembrando que a música da Bahia vem de uma tradição anterior de Dorival Caymmi, Novos Baianos e blocos afro. “Ele (Caldas) protagonizou o primeiro sucesso e esse pioneirismo. Mas, o rótulo generaliza. O sambareggae já tocava em rádio. Não tinha muito a ver com música de trio”.

De fato, o termo Axé Music se refere mais a uma geração de artistas, que a um estilo, uma vez que o ritmo propagado por eles vem de uma mistura azeitada de reggae, ska, samba, ijexá, jongo e outros sons africanos e caribenhos. Com a explosão de sons baianos e carnavais fora de época pelo Brasil, medalhões da MPB abraçaram o Axé em seus trabalhos, como Marisa Monte e Caetano Veloso. Margareth Menezes lembra que, ao longo desses anos, dividiu seu trio com nomes como Hermeto Paschoal, Leila Pinheiro e Marina Lima.

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“Eu prefiro dizer que o Axé é a música brasileira”, resume outra protagonista dos melhores anos da música baiana, a cantora Márcia Freire, ex-vocalista da banda Cheiro de Amor. Ela lembra que os tempos cantando em barzinho passaram uma segurança para abordar um repertório cada vez mais eclético e que foi se misturando cada vez mais. “Por isso eu digo que o sertanejo é o Axé. O próprio forró usa o galope. Tudo isso é música brasileira, que foi influenciando a MPB. A gente pode passear por outros ritmos por que a música baiana dá esse feeling”, determina.

E é por isso que Márcia não acredita em crise na Axé Music. “Como vai ter queda uma música que é brasileira?”, questiona concordando, por outro lado, que os sertanejos vêm tomando um espaço no mercado que antes era dos baianos. Mas, para ela, isso só é problema quando chega a hora de subir no trio elétrico. “Não acho ruim ter sertanejo em cima de trio. Mas, a Bahia poderia dar mais valor aos seus artistas. Às vezes, os empresários trazem montes de sertanejos e não contratam os artistas que começaram esse movimento”, lamenta

Filho do de Osmar Macedo, criador do trio elétrico ao lado de Dodô (Antônio Adolfo Nascimento), Armandinho comenta que a crise não está na música da Bahia, mas em como ela tem sido vendida para o público. “É como criança. Se você alimentar o povo com porcaria, ele só vai querer comer isso. É preciso apresentar coisas que tenham história. Hoje, a maioria é ‘oba, oba’, uma sacanagem qualquer. Tudo bem que exista, mas a mídia teria que ser mais democrática”, dispara apontando a corrida empresarial como o principal problema. “No começo era o Axé que vendia, pura manifestação da Bahia. Quando esse movimento começa a não ter o sucesso desejado, o que é natural, os empresários começaram a contratar artistas de fora”.

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Mas, se o empresariado baiano não dá a devida atenção aos seus conterrâneos, cabe aos próprios artistas se unirem. Para Amandinho, isso tem sido uma constante entre as novas e antigas estrelas do Axé. “Estou fazendo 51 anos de trio elétrico e, muito antes de haver essa combinação, já fazia parte dessa coisa da Bahia. Hoje, o pessoal não é capaz de chamar o A Cor do Som ou o Gilberto Gil de Axé. Mas, se forem cantados pela Ivete, é Axé. Somos axé mesmo”, encerra o músico que já tocou sua guitarra baiana ao lado de Cláudia Leitte, Durval Lelys (Asa de Águia), Ivete Sangalo e muitos outros nomes da cena. “É muito bacana por que existe um respeito. Eu digo que Dodô e Osmar pariram a guitarra baiana, mas eu criei. Se o Carnaval não está focado nisso, eu estou levando essa história para a frente”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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