TributoJoaoGilberto2Diz-se que música é a combinação harmônica de sons e silêncios. Esse conceito explica, em partes, o gigantismo de João Gilberto. Econômico em tudo que se refere à interpretação, o baiano decanta cada aspecto da música até encontrar nela o melhor som, o ponto mais adequado de respirar e o melhor dedilhado do violão. Nada para ele deve ter excessos. Para uns, esse perfeccionismo não passa de mania ou excentricidade. Para outros, é justamente aí que está guardada a genialidade do mestre da Bossa Nova. Renato Braz se encontra nesse segundo grupo e prova isso com o álbum Silêncio.

Lançando primeiro no Japão, Silêncio é resultado das sessões apresentadas no filme Ensaio sobre o silêncio, de Zeca Barreto. No documentário apresentado no Canal Brasil, o cantor paulistano se encontra com o violonista Edson Alves e com o soprista Nailor Proveta (que toca saxofone e clarinete no disco) para dar novas interpretações ao repertório menos badalado de João Gilberto. Fugindo de Chega de saudade ou Desafinado, o registro descortina novas sutilezas para O grande amor (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes), Farolito (Agustin Lara), Eu sambo mesmo e outras.

Capa_CDIndiretamente, Silêncio também é um desdobramento do trabalho anterior de Renato, Casa de morar, de 2012. Ao encomendar o arranjo de Febril (Gilberto Gil), ele pediu a Edson Alves que fizesse algo nos moldes da canção de João. “Na minha pretensão, pensei que o João iria adorar essa música”, lembra o cantor, que acabou sendo convidado pelo músico para realizar um trabalho maior sobre o ídolo de ambos. Como Proveta também é fã, não foi problema para o trio encontrar química na hora de realizar o trabalho com a leveza exigida num tributo ao gênio discreto da música brasileira.

Por telefone, Renato não nega que, em muitos momentos, sua voz se aproxima bastante do registro sussurrado de João. Dono de uma das melhores vozes de sua geração, a sugestão de segurar mais os agudos e vasculhar outros ambientes vocais foi de Dori Caymmi, a quem o intérprete trata como “padrinho” e “pai” artístico. Quando o cantor foi gravar Eu não existo sem você no disco História antiga (1998), o filho de Dorival pediu que ele cantasse três tons abaixo. “Foi um grande conselho e comecei a gostar de cantar no grave”, comenta o cantor que manteve o tom em Silêncio. “Gravei num tom mais baixo para me aproximar da estética do João, me sentir um pouquinho mais perto dele. Chegar perto mesmo, dar esse abraço afetuoso”, celebra.

Foi também com o critério do afeto que Renato, Edson e Nailor escolheram as 14 faixas de Silêncio. O samba Louco (Henrique de Almeida/ Wilson Baptista), por exemplo, é a música preferida de Homero Ferreira e entrou como uma homenagem ao compositor de marchinhas falecido em fevereiro deste ano. Passando ainda pelo bolero Besame mucho (Consuelo Velásquez), Silêncio traz a tona canções que podem ter passado despercebidas nos discos de João, que, apesar de cruzarem sete décadas, são poucos. “Eu acho o João a verticalização da música. Enquanto todo mundo pensa na extensão do repertório, ele vai diminuindo, depurando a forma de interpretar. Tem coisa que ele já nem canta mais”, define Renato Braz.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles