capa em baixa-bxPoucos discos me impactaram tanto nos últimos meses quanto Noel Rosa, preto e branco. O título entrega logo que este álbum duplo, realizado com apoio da plataforma de financiamento coletivo Catarse, é um tributo ao Poeta da Vila. O que não é nenhuma surpresa, certo? No entanto, a cantora Valéria Lobão interpreta as 22 canções do disco somente acompanhada de piano. Ou melhor, pianos. Nada menos que 22 pianistas brasileiros passeiam pelo segundo álbum solo da carioca. Só para citar alguns, André Mehmari, Gilson Peranzzetta, Itamar Assiere, Leandro Braga e Marcos Nimrichter. No topo dessa lista, o gigantesco João Donato comparece com seu dedilhado característico em Cor de cinza.

Dou destaque a este acreano ilustre por que sou fã mesmo. Mas, cada um a sua maneira empresta cores próprias a este Noel Rosa, preto e branco. O título, aliás, é perfeito para sublinhar a elegância da homenagem, sem excessos ou modismos. E Valéria Lobão, que voz, hein?! Um agudo macio e sem afetação que caminha certeiro pela afinação. Dando aula de interpretação para qualquer jovem cantora brasileira, esta jovem senhora de 51 anos tem balanço pra colocar as Pastorinhas em moldes eruditos e se divertir no fox Você só mente. Nesta última, a melhor do disco, ela ainda abre espaço para scats bastante saborosos.

É fato que Valéria não é nenhuma iniciante inexperiente na música. No início da década de 1990, ela integrou o grupo vocal Equale com quem lançou dois discos: Expresso Gil (1999) e Um gosto de sol (2004), dedicados, respectivamente, às obras de Gilberto Gil e Milton Nascimento. Em carreira solo desde 2007, a intérprete fez turnê pelo circuito boêmio carioca e participação especial em mais de uma dezenas de álbuns de nomes como Zé Paulo Becker, Bebeto, Nelson Sargento e Danilo Caymmi. Contemplada no Prêmio Funarte em 2010, ela faz a estreia solo com o disco Chamada, onde deu voz a canções de Paulo César Pinheiro, Marcos Sacramento e Rodrigo Maranhão.

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=vHDEaQCShtQ[/youtube]

Em Noel Rosa, preto e branco, Valéria Lobão parece querer mostrar tudo que aprendeu nessa trajetória. E parece que consegue. Sua voz segura revela segredos escondidos e novos caminhos para a obra sintética e imprescindível de Noel. Nesse esforço, ela conta com alguns pouco convidados. Joyce Moreno surpreende num belo dueto em Só pode ser você, escorada no piano de Rafael Vernet. Além dela, participam dos discos Mariana Baltar, Marcello Pretto, Moyséis Marques, João Cavalcanti e Nina Wirti.

Cada um a seu modo colabora para fazer de Noel Rosa, preto e branco uma das grandes surpresas musicais desta ano que ainda está começando. E Valéria Lobão mostra que é intérprete da melhor estirpe, que merece ser ouvida por qualquer fã de boa música brasileira. Se há dúvidas, basta ouvir a dramática Julieta, acompanhada de Rafel Martini, ou ritmada Eu agora fiquei mal, com Fernando Leitzke. Dois momentos ímpares nesse álbum de destaques.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles