leminskancoesEm agosto do ano passado, o essencial site A Musicoteca disponibilizou um trabalho que deveria ser escutado por todos os habitantes do planeta. E quando eu digo “todos”, não deve haver exceção alguma. Me refiro ao múltiplo, sensível e profundo Leminskanções. Lançado há cerca de dois meses em disco físico duplo, o tributo reúne 25 joias do baú de Paulo Leminski, todas interpretadas por Estrela Leminski, filha do poeta curitibano.

O trabalho é dividido com a banda Os Paulêra, formada por Téo Ruiz, Du Gomide, Denis Mariano, Érico Viensci, Estevan Sinkovitz, Natalia Mallo e Mariá Portugal. O nome do grupo de apoio se refere à banda Duas Pauladas e uma Pedrada, trio montado pelo homenageado ao lado de Paulo Bahar e Pedro Leminski (entenderam o motivo do nome?).

Leminskanções vem junto com uma série de trabalhos que está passando um pano na memória fraca em torno da obra do autor de Catatau. Poeta, tradutor, poliglota e gênio indomável, Leminski é figura preponderante na música nacional, apesar de – como Mautner, Capinam e Torquato Neto – não receber o valor devido. Fica algo, então, esperando seu momento de ganhar o status merecido.

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É isso que Estrela Leminski faz em seu Leminskanções. Intrigante como poucos trabalhos do gênero, o tributo mistura hits do pai da cantora com canções inéditas e não-hits. A cada nova faixa, um novo susto, uma nova poesia, um novo som e uma nova mensagem. O primeiro disco, batizado de Essa noite vai ter sol é feito com 14 canções assinadas somente por Paulo Leminski.

Do reggae infectado Desilusão à macumbeira Adão, as letras curtas do poeta são tratadas com respeito merecido, sem deixar de lado a possibilidade de inventar. O rock Não mexa comigo, em dueto com Arnaldo Antunes, é uma prova disso e vem seguida por Filho de santa Maria, em gravação bem diferente daquela feita por Zizi Possi, em Mais simples.

A balada sertaneja Se houver céu precisa ser escutada com atenção. Se virando bem com a pouca voz que tem, Zeca Baleiro vai fundo ao tratar das inseguranças de Leminski com a morte. Logo em seguida, Luzes faz o contraponto numa espécie de dixieland acelerado e irônico. O ritmo apressado é costurado pelas guitarras de Estevan e Gomide numa trama de cordas contagiante. E essa já vem colada em A você amigo, o ponto mais alto da montanha de sentimentos erguida em Leminskanções. Versos pungentes em tratamento melódico dramático, a faixa cresce e emociona numa interpretação que levou a própria Estrela Leminski às lágrimas. O som arrastado e as guitarras ferozes dão ainda mais peso aos versos pesados.

O disco dois, batizado como Se nem for terra, se transformar traz 11 faixas de Leminski com parceiros variados. Entre os hits, Dor elegante (com Itamar Assumpção), famosa na voz de Zélia Duncan, ganha nova leitura cheia de barulhinhos e ingenuidade. Diferente, mas ficou bom. A própria Zélia é quem comparece em Sinais de haicais, rap-reggae saboroso composto em parceria com Zé Miguel Wisnik. O ritmo segue na lombrosa Hoje ta tão bonito, agora em parceria com Fortuna e Edvaldo Santana. Sucesso oitentista de Ney Matogrosso, Promessas demais ficou esmaecida e expôs a limitação vocal de Estrela, mas não compromete o trabalho como um todo.

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Pelo contrário. Leminskanções encerra com um desejo de ouvir mais e mais as palavras do maluco curitibano de bigode engraçado. Leminski tornou-se figura imprescindível para a cultura brasileira desde o ano passado. Esse marco temporal se deve somente ao quase desconhecimento em torno da sua obra até então. Como se não bastasse, o disco pode ser ouvido por streaming ou baixado por completo no site do projeto. Como disse Estrela Leminski, o único objetivo é tornar a obra do seu pai, de fato, conhecida. Ponto para ela.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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