21038377_20130909191428364Logo na primeira cena do documentário Começaria tudo outra vez, Cauby Peixoto aparece com um semblante entre o cansaço e a mansidão. O olhar perdido procura alguma coisa que não se sabe exatamente o que é. A respiração meio cansada entrega que estar ali no palco não é mais um exercício simples para o cantor de mais de 80 anos. No entanto, ele não dispensa o paletó de lantejoulas brilhantes, a peruca encaracolada e a maquiagem discreta que já fazem parte do seu personagem.

Ecoando os versos de Caetano Veloso (“Minha voz, minha vida, meu segredo e minha revelação. Minha luz escondida, minha bússola e minha desorientação”), a cena que abre o filme de Nelson Hoineff resume o personagem que vai ser descrito nos próximos 90 minutos. Com depoimentos e imagens de arquivo, Começaria tudo outra vez, que estreia hoje nos cinemas, apresenta o retrato de um homem que só quer existir sob as luzes do palco. Com idade avançada e locomoção comprometida, Cauby Peixoto mantém sua agenda de shows e acaba de lançar um tributo ao ídolo Nat King Cole.

Hoineff perseguiu o cantor niteroiense radicado em São Paulo durante um bom tempo. Foram dois anos de aproximação e mais quatro de filmagem. Com isso, o diretor da série de TV Documento especial conseguiu extrair momentos saborosos do intérprete que imortalizou Conceição. Um dos mais chamativos é ouvir Cauby falando sobre experiências sexuais com outros garotos na infância. “Chegou um momento em que eu o coloquei muito a vontade. Nós estávamos falando sobre os ternos, deitados sobre a cama dele. Já tinha virado uma conversa de velhos amigos, com zero constrangimento”, lembra Hoineff, por telefone, que conseguiu a fala driblando o olhar sempre atento da empresária e cuidadora Nancy Lara, que está sempre ao lado do cantor.

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Apesar da sexualidade do homem que foi sex symbol nos anos 1950 ser motivo de discórdia desde então, Hoineff nega ser este o ponto alto de Começaria tudo outra vez. “Acho que o importante não é ser homossexual ou não. Nos anos 1950 já seria uma tolice, imagine hoje. Em represália, ele nunca falou disso. No entanto, o filme permitiu que, pela primeira vez, ele falasse nisso”, defende o diretor que optou por não contar uma história cronológica ou didática. Seguindo os passos do cantor por bastidores, em casa e apresentando Tadeu Kebian, num fã incondicional de 15 anos, o filme apresenta pistas sobre as causas e efeitos de uma carreira duradoura e ainda em plena atividade.

Depois de documentários retratando Paulo Francis (Caro, Francis), Santos Dumont (O homem pode voar) e Chacrinha (Alô, alô, Terezinha!), Nelson Hoineff sabe o que buscar nos seus personagens. “O que me interessa é a veia transgressora. Logo, não são documentários, mas filmes que se utilizam das pessoas para falar de transgressão”, define o diretor que encontrou nas dualidades de Cauby Peixoto muito das suas transgressões. Entre o brega e o chique, o masculino e o feminino, o dono de uma das vozes mais admiradas do Brasil é também um homem calado e discreto, que, apesar de viver cercado pelo público, tem poucos amigos. “O que é grandioso nele é o olhar e eu vou buscá-lo ali. É isso que a gente tem que descobrir”, sugere o diretor.

Serviço
Cauby – Começaria tudo outra vez
Quando: sexta-feira (03), às 18h30; domingo (05), às 10h30
Onde: Cineteatro São Luiz Fortaleza (Rua Major Facundo, 500 – Centro)
Quanto: R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia). À venda no local ou pelo Ingresso Rápido
Classificação etária: 12 anos
Telefone: 3101.6767/ 3101.6737

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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