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Ninguém na MPB falou tão bem de dor-de-cotovelo quanto Lupicínio Rodrigues (1914 – 1974). Verdadeiro expert no assunto, o gaúcho era um apaixonado por boêmia e mulheres. Como nem sempre esses assuntos se relacionam bem, ele colecionou amores desfeitos e sambas-canções antológicos como Nunca, Vingança e Ela disse-me assim. Adriana Calcanhotto conhecia bem esse repertório desde a época em cantava nos bares de Porto Alegre, onde também conheceu pessoas que conviveram com o compositor.

Décadas depois, em 2014, Calcanhotto recebeu um convite da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para homenagear o centenário de Lupi, como era chamado na infância o autor de Nervos de aço. Certa de que aquela noite seria única, ela gravou a apresentação, que sai agora em CD e DVD com o título de Loucura (Sony Music). “Nunca tinha pensado em fazer essa homenagem, mas, fiquei contente de pensarem em mim como uma pessoa do universo dele. Só no segundo momento é que entrei em pânico”, lembra, por telefone, a cantora que abre o espetáculo com a voz do próprio homenageado explicando sua vocação para a dor-de-cotovelo.

capa DVD_Loucura

Econômica em gestos, cores e sonoridade, Calcanhotto se transporta para o mundo boêmio de Lupicínio, fazendo do palco um falso bar. A melancolia famosa das composições do homenageado fica impressa nos violões de Dadi Carvalho e Cézar Mendes, e nos sopros de Jessé Sadoc. O baixista Alberto Continentino fica responsável por fazer uma ligação com O micróbio do samba (2011), primeiro álbum da gaúcha dedicado ao samba. “Nunca pensei que faria um trabalho exclusivamente de intérprete. Apenas levei em consideração que seria um autor muito importante na minha formação com a minha música”, explica a artista que também recebeu Arthur de Faria (acordeom), Arthur Nestrovski e Cid Campos (violões).

No repertório de 16 faixas, além de todas as canções citadas acima, estão pérolas famosas de Lupicínio, como, Esses moços e Volta. Mesmo já gravadas por tantas vozes, Adriana tinha uma razão para trazê-las para seu tributo. “Não me distanciei das famosas por que muitas pessoas não ligam a canção ao compositor”, comenta acrescentando que a intimidade com essas canções também lhe ajudaou a dar uma cara própria às interpretações. No entanto, algumas obscuras, como Homenagem e Cevando o amargo, foram agregadas para dar curiosidade ao projeto.

Assim como Adriana Calcanhotto, outros artistas prestaram suas homenagens a Lupicínio em 2014. No entanto, ela não tem dúvidas de qual foi sua preferida. “Não vi a Gal (Costa), mas, o mais legal foi o da Elza Soares. Sou muito fã dela e da relação dela com o Lupicínio. Ela diz que ele compôs a vida e a relação dela com o Garrincha. Depois que vi o show dela, pensei ‘gente, eu tenho um show de Lupicínio’”, brinca demonstrando apreensão.

Agora que Loucura chegou às lojas, Calcanhotto pretende incluir algumas canções em seu repertório, mas adianta que não vai fazer turnê com o tributo completo. Ela explica informando que não teria como voltar a cantar os versos fortes de Cadeira vazia, por exemplo, depois da morte de Susana de Moraes, em janeiro deste ano, com quem ela esteve casada por mais de 20 anos. “Quando nos apresentamos no dia 4 de dezembro, ela viu. Voltar para essas canções… Não sei se seria confortável para eu cantar de uma maneira inteira”, justifica. Uma proposta para divulgar o trabalho seria apresenta-lo em cinemas. “Na verdade, essa coisa de não ter show, as pessoas acham uma pena. Mas, eu tenho convicção de que foi uma noite única”, aponta.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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