fafacapafinalHá 10 anos sem gravar um álbum completo, Fafá de Belém andava desestimulada para voltar ao estúdio. Incomodada com os rumos incertos da indústria fonográfica, ela pensou em comemorar seus 40 anos de carreira – marcados pela gravação de Filho da Bahia para a novela Gabriela (1975) – remixando velhos sucessos. Ao ouvir a ideia, o DJ Zé Pedro deu um grito e sugeriu que ela lançasse material inédito pela sua gravadora, a Joia Moderna. Proposta aceita, o resultado desse encontro chega este mês às lojas com o nome de Do tamanho certo para o meu sorriso.

Neste 22º álbum de estúdio, a cantora se voltou para as novidades de sua terra e se lambuzou de technobrega, lambadas e letras provocantes. “É fuleragem”, resume Fafá, por telefone, antes de soltar uma de muitas gargalhadas. Divertido ao longo de 10 faixas, Do tamanho certo para o meu sorriso contou com duas presenças fundamentais: Felipe Cordeiro, principal catalisador da nova cena paraense, e seu pai Manoel Cordeiro, produtor de figuras como Beto Barbosa, Eliane e Alípio Martins.

“Nunca gostei de estúdio. Sempre fiz discos motivada por uma música”, entrega a cantora que, para o novo trabalho, teve como estopim Meu coração é brega, de Veloso Dias. Ela conheceu a canção inédita do autor de Ex-mai love há cerca de dois anos, na casa de um amigo onde foi comer caranguejo com maniçoba depois do Círio de Nazaré. “Tinha acabado de sair de um paraensismo puro e ouço Meu coração é brega. Tive um insight semelhante a quando ouvi (a canção) Vermelho. Era o Pará de uma forma violenta e visceral”, explica.

A vontade de gravar Meu coração é brega foi imediata, mas a realização não. Foram dois anos ouvindo propostas que não se alinhavam com o que ela queria. Ou ficava muito caro ou muito insosso. Ao conhecer os conterrâneos, ela chegou a uma mistura cheia de frescor para o que se considera brega nos dias de hoje. A interação entre Fafá, Felipe e Manoel Cordeiro foi tão imediata que o álbum inteiro levou só dez dias para ficar pronto.

Para a mulher que cruzou os anos 1980 com uma avalanche de sucessos de rádio, se assumir brega foi mais libertador do que ofensivo. “Quando eu gravei Memórias (‘Vou recomeçar, vou tentar viver…’), me amarraram num pau de arara. Diziam que a cantora que sempre privilegiou a MPB agora mexia com o lixo. No meio desse caminho, encontrei o Chitãozinho e Xororó e gravei o Nuvem de Lágrimas”, relembra antes de outra gargalhada. No entanto, para ela, não existe muita diferença entre a beleza pungente de Foi assim e esse novo momento.

Ainda assim, houve um aspecto de Do tamanho certo para o meu sorriso que causou incômodo na intérprete de completou 59 anos no último 9 de agosto. Todos os instrumentos ficaram a cargo de Felipe e Manoel Cordeiro. “Foi um pânico. Eu dizia que não ia dar certo. Cadê os músicos? Cadê a bateria?”, se perguntava a cantora, que ouvia de Zé Pedro que tudo iria dar certo. E deu.

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Candidato a figurar nas listas de melhores discos de 2015, Do tamanho certo para o meu sorriso se aproveita da exposição que a música paraense vem conseguindo, sem se desconectar dos méritos conseguidos em 40 anos de carreira. À vontade com sua artilharia vocal, Fafá de Belém dá languidez ao bolero Usei você (Silvio Cesar) e renova o balanço de O gosto da vida (Péricles Cavalcante), lançada por ela em 1982. Mas, a faixa que mais chama a atenção é Volta, composição de Johnny Hooker que entrou para a trilha do filme Tatuagem. Trágica e explosiva, a balada caiu como uma luva para a voz possante da cantora. “Nesse momento, dar um mergulho sem rede de proteção, sabendo que o paraquedas tem que abrir, pra mim é muito bom”, avisa.

Mas se engana quem acredita que a veterana está tentando surfar na onda dos seus conterrâneos. Mergulhar nas raízes musicais do Pará já é algo que está presente na obra de Fafá desde a estreia, no disco Tamba-Tajá (1976). Já o technobrega, ela relativiza. “Eu não gosto de technobrega. O movimento é interessante por que nasceu nas aparelhagens e nos sonoros para fazer as famílias trabalharem. Mas, eu não vejo como movimento musical. Vejo remixes e pessoas interessantes”, explica antes de elencar. “O Pará tem uma sonoridade muito grande, como a Gaby Amarantos que faz um technobrega mais ou menos. Acho que ela é uma cantora maior do que aparece. O Felipe (Cordeiro) e a Lia Sophia é que estão fazendo uma trajetória de carreira”. Ainda assim, ela não nega a importância que essas figuras vêm adquirido. “Quando eu cheguei, há 40 anos, tinha que explicar de onde eu vinha. No entanto, a política cultural que se desenvolveu a partir do (projeto do governo estadual) Terrua Pará abriu as portas”, aponta.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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