Guitar Player 200

Nas décadas de 1960 e 70, o movimento tropicalista influenciou muita gente da música e produziu uma série de álbuns hoje considerados clássicos. Caetano Veloso explorou sua inventividade no disco que ficou conhecido como “álbum branco” (1969). No mesmo ano, Gilberto Gil se despede do Brasil com um disco elétrico em todos os sentidos. Gal Costa explodiu todas as estruturas no disco/show Fa-tal (1971). Até o tremendão Erasmo Carlos apontou contra os caretas do antológico Carlos, Erasmo (1971).

Em comum, esses e muitos outros discos do período – como a estreia de Jards Macalé (1972) e o solo de Rita Lee Build Up (1970) – têm uma guitarra furiosa capaz de disparar notas fatais a cada compasso. O responsável pelo instrumento é Lanny Gordin, maior exemplo de guitar hero do Brasil. Fundamental para o tropicalismo, o músico ficou esquecido ao longo das décadas de 1980 e 1990, até ser redescoberto e voltar se apresentar com regularidade. Aos 64 anos, ele apresenta um novo disco, Lanny’s Quartet & All Stars, cercado do mais gosta: grandes guitarras.

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O álbum, que chega 10 anos depois do rejuvenescedor Lanny Duos (Baratos Afins), traz 13 faixas instrumentais que misturam influências nacionais e internacionais. Para encorpar essas regravações, cinco convidados comparecem com suas cordas maravilhosas. O líder do Tutti Frutti, Luiz Carlini está presente em quatro faixas, entre elas uma versão à la Carlos Santana de Summertime, que também conta com Pepeu Gomes, que colabora em outras duas faixas. Carlini também divide com Frejat a esfuziante Back In Bahia, de Gilberto Gil. Num instante de melancolia, o mutante Sérgio Dias e Lanny trocam timbres aveludados em Eu Preciso Aprender a Ser só. Por fim, Edgard Scandurra comparece na hendrixiana Burning Of The Midnight Lamp e nos improvisos coletivos de Free com Scandurra.

Em comum, os convidados não negam o quanto Lanny foi influente em suas carreiras. Chinês de Xangai, nascido em 28 de novembro de 1951, Alexander Gordin morou em Israel até os seis anos, quando mudou-se com a família para o Brasil. Filho de russo com polonesa, aos 16 anos ele já era estrela na boate paulistana Stardust, de seu pai. Foi ali que ele começou a tocar com bambas como Hermeto Pascoal, com quem, tempos depois, dividiria o efêmero combo jazzístico Brazilian Octopus. Acompanhando nomes tão díspares quanto Rita Lee e Jair Rodrigues, Lanny adquiriu fluidez para transitar pelos mais variados estilos e se consagrou como um mestre nos solos e nas harmonias.

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Se nos anos 1960 e 70 reinou como figura essencial para os arranjos tropicalistas de Rogério Duprat, as décadas seguintes foram de um quase desaparecimento. O abuso de LSD e os surtos esquizofrênicos levaram Lanny a diversas internações e ao afastamento do ofício. Chegou a ser tratado com eletrochoque e a morar na rua. Conta uma lenda que ele chegou a tocar fogo nas mãos, foi quando percebeu que precisava se tratar. O retorno foi lento, à medida que ele também voltava a solar seu instrumento.

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Para a sorte de Lanny e dos seus admiradores, os problemas do passado não lhe tiraram a mira certeira dos dedos. A abertura do novo álbum, com Riff 1, mostra que ele ainda sabe fazer da simplicidade um luxo instrumental. São dedilhados furiosos que buscam espaço entre a base criada pelo trio Fernando Moura (teclados), Ronaldo Diamante (baixo) e Ricardo Mosca (bateria). Na contramão, o encerramento com Fly me To The Moon mostra Lanny sozinho, com sua guitarra, seu universo particular e sua irrepreensível capacidade de fugir do óbvio.

Serviço:
Lanny Gordin – Lanny’s Quartet & All Stars
Participação de Edgard Scandurra, Frejat, Luiz Carlini, Pepeu Gomes e Sérgio Dias
13 faixas
Barravento
Preço médio: R$ 29,90

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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