Foto: Daryan Dornelles

A caminho de Fortaleza para um show no projeto Estacionamento da Música (estacionamento do Sesc Fortaleza), Guilherme Arantes conversou com o Discografia sobre muitos assuntos. O paulistano, figura de proa da indústria musical desde os anos 1980, falou sobre a vida na Bahia, mercado fonográfico, massificação da cultura e vários outros assuntos. O show desta noite em Fortaleza será de voz e piano, e encerra uma turnê pelo Ceará. Confira o que Guilherme Arantes tem a dizer.

DISCOGRAFIA – Como será o show em Fortaleza? Com banda ou voz e piano? Pode adiantar algo do repertório?
Guilherme Arantes – Vai ser solo, um show de compositor, com todas as músicas famosas e vários lados “B”, percorrendo as quatro décadas, desde 1976.

DISCOGRAFIA – Esse ano completa quatro anos desde que você lançou seu último disco de inéditas. Como você avalia a recepção a esse trabalho?
Guilherme Arantes – Foi ótimo, porque a gente tinha um foco bem específico, de estabelecer uma sonoridade e isso deu muito certo. Foi um dos discos mais importantes da carreira, porque me recolocou na pauta da crítica, várias músicas conseguiram ser executadas e houve um trabalho bom em novas mídias. Me trouxe prestígio e reconhecimento. Não dá pra reclamar.

DISCOGRAFIA – Como é lançar um trabalho de inéditas, quando boa parte do público quer ouvir os sucessos de décadas atrás? É frustrante ou você se satisfaz cantando velhos sucessos?
Guilherme Arantes – Não tenho problema algum com os sucessos antigos, até porque é tudo autoral. Há uma pessoalidade em todas as músicas. Acho normal a insistência com as mais conhecidas, mas todos os artistas convivem com isso e devem sempre valorizar e atender ao público. Cada um constrói sua própria lenda e é por causa dela que o público tem interesse. No meu caso, é uma lenda bastante generosa. Não foram poucos os meus momentos criativos que marcaram vidas.

DISCOGRAFIA – Você teve sua discografia lançada em box no ano passado. Qual foi a primeira sensação que você teve ao se deparar com aquela obra? Na sua avaliação, ali tem quantos por cento de erro e quantos de acerto?
Guilherme Arantes – Ah, tem uns bons 90% de acerto, o que me deixa bastante feliz e até surpreso ao re-ouvir muita coisa. Foi uma caixa muito caprichada, na hora certa e vem tendo uma venda bastante expressiva, segundo a Sony. Foi muito bem recebida por todos os segmentos da imprensa, TV, rádio e, principalmente, os fãs de verdade, que souberam dar valor à qualidade dos masters, parte gráfica, tudo costurado pelas histórias, que são contadas em libreto na caixa e também no meu canal de vídeo (clique aqui). A quarta temporada já está pra sair e acaba sendo um pacotão, um “blockbuster” biográfico muito consistente.

DISCOGRAFIA – Dos discos que você já lançou, qual te traz mais orgulho? Algum tem um valor especial? 
Guilherme Arantes – Acho que o primeiro disco, o de 1976. É como todos os primeiros discos dos meus colegas: uma emoção especial, porque abre uma trajetória a partir de uma vida pregressa, que era apenas de sonhos anseios, e uma “carreira”, uma escolha de vida. Ali, passa a ser realidade.

DISCOGRAFIA – Você foi um hitmaker infalível nos anos 1980 e 90, mas hoje esse lugar é ocupado por artistas que não têm o mesmo cuidado com letra e melodia que sua geração tinha. Como você analisa essa cena de música hoje em dia?
Guilherme Arantes – Há uma questão de público e de finalidade para a música popular. As épocas e suas prioridades são diferentes. Os anseios de hoje são mais “funcionais”, ou seja, mais “utilitários”. O que importa hoje é a coisa funcionar no contexto em que a música se propõe ao entretenimento. Tem uma porção de fatores diferenciativos hoje. As redes sociais, por exemplo: hoje em dia, com a mania dos celulares e da tecnologia móvel, muita gente está “filmando” o tempo todo em shows. No tempo da minha adolescência, a gente estava se reunindo para chorar junto, literalmente. A finalidade da música era completamente diferente, havia motivações existenciais e ideológicas. Hoje, é o que chamamos de “entertainment” que se tornou uma motivação primordial . O público, que era coadjuvante da cena artística, passou a ser protagonista e a cena artística é apenas um pano de fundo, um cenário. Então os artistas tratam de se adaptar e o importante é a funcionalidade: dar certo e não correr riscos de transgressão mal-recebida. Então se cercam de fórmulas e de elementos de confirmação de expectativas. Temos um mundo conservador. Não parece, mas é. Porque enganosamente se reveste de uma embalagem “transgressora”, na parte fácil da transgressão. Na esculhambação, na gozação, deseducação e perversão, ostentação. Tudo que possa chamar a atenção e proporcionar uma “sensação de transgressão”, já que a transgressão é muito desejada num sistema enclausurante e sem saídas. Jimi Hendrix seria adequado? Janis Joplin? Joe Cocker? O Tropicalismo? Cada época tem suas motivações. A atual é o utilitarismo. Quem iria hoje se importar com uma transgressão “real” ao “sistema”? Isso é uma questão antiga. Ao menos, por hora.

DISCOGRAFIA – Como é sua vida na Bahia? Da música que se produz aí, quem tem te chamado a atenção?
Guilherme Arantes – A vida no Nordeste é muito interessante e a Bahia tem suas peculiaridade e vantagens, de estar praticamente no Sudeste. Foi um acerto eu me mudar pra cá. A Bahia vive um renascimento das vanguardas, mas sempre pelas beiradas do “mainstream” tentando se reconstruir uma identidade a partir da derrocada do comercialismo mais raso que passou a dominar o axé.  Houve uma moda e uma hegemonia longas, que foi muito produtiva a princípio, gerou grandes nomes e um grande foco na Bahia nos anos 1990 e começo dos anos 2000. Foram fruto de um investimento também, com a Bahiatursa e o Carlismo bombando a Bahia como polo de showbiz, especialmente no segmento de shows em praça pública. A ligação com a política era óbvia, porque era abastecida pelas prefeituras e pelo alinhamento coordenado. Isso é um fato que não se pode negar. Mas a “linguagem” da micareta se generalizou pelo País e reverberou forte com suas tecnologias e modus-operandi nas cenas como Recife, Belém, do alto Nordeste, que foram se tornando poderosas em showbiz, assimilaram o know-how que antes era ponto alto do reinado do axé e as sucessivas ondas de neo-sertanejo e neo-forró arrocha, sofrências, funk. Tudo se fundiu. Acaba sendo uma grande salada e a Bahia se viu diante de uma multiplicidade crescente de competidores. Mas este ano parece que vai se formando uma reconstrução dessa importância da Bahia, com a agregação de novas linguagens. E o exemplo mais claro é o sucesso do Baiana System e outras tendências que vêm trazendo de novo um frescor de vanguarda ao “mainstream”, com muito sucesso e adesão . É um recomeço.

DISCOGRAFIA – Recentemente, você encontrou com a turma do Biquini Cavadão em um voo. Sobre o que vocês conversaram?
Guilherme Arantes – Foi tietagem, mesmo, porque adoro o Bruno Gouveia e o pessoal do Biquíni. São muto focados e talentosos de longa data. Somos da mesma era dos anos 1980 e eles permanecem sempre criativos. Foi um reencontro prazeroso.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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