Num dia como qualquer outro, conversando com o irmão, Marina de La Riva soltou impressões sobre a própria carreira. O que estava fazendo, o que queria fazer, o que era e o que não era fácil, entraves, dúvidas, prazeres. Como quem entrega um remédio deixado por um representante, Fernando, um engenheiro, entregou à irmã o livro The Lean Startup, um estudo sobre como analisar um negócio durante a execução. Como testar, modificar para entregar um resultado mais eficaz ao cliente.

Foi essa leitura que deu a ela coragem para registrar em disco sua homenagem a Dorival Caymmi. Rainha do Mar nasceu como uma curta temporada de quatro shows. Mas, o sucesso foi tão certeiro, que ela estendeu a turnê, viajou pelo mundo e chegou até a Macau, na China. Na volta, num voo de 30 horas, ela encorpou o projeto, agora lançado pela Universal. “Antes, eu montava tudo em estúdio e sofria lá. Nesse, inverti o processo. Montei iluminação, figurino, músicos, tudo. Quando foi para o público, não era um projeto passageiro. Não só estava completo, como o público queria aquilo”, lembra Marina, entre agradecimentos ao irmão.

O Caymmi apresentado no disco de 14 faixas se divide entre as ascendências brasileira e cubana da artista, e também bota um pé na África. “Desde o primeiro disco, dizem que eu faço a ponte Brasil-Cuba. Mas, na minha cabeça tem um triângulo: Brasil, Cuba, África”, explica Marina que vê o mar como uma liga para esses eixos. Com essa tríade, ela foi registrando inspirações à medida que chegavam. Sargaço Mar emenda com uma oração que pede bênçãos a Yemanjá. É Doce Morrer no Mar vem junto com Alfonsina Y El Mar, não por acaso uma canção-despedida para a poetisa argentina Alfonsina Storni, que morreu jogando-se ao mar em 1938.

Outro encontro de tradições é a faixa de abertura, que une o ponto de umbanda Canto a Yemanjá com o samba de roda Rainha do Mar. Guiando o improviso de nove minutos e meio, o piano sempre maravilhoso de João Donato. Outros dois convidados são Ney Matogrosso e Danilo Caymmi. O primeiro participa do encontro de Só Louco com Dos Gardenias, ornadas de um arranjo angustiado feito somente com baixo e acordeom. Já Danilo participa em O Bem do Mar e Canto de Nanã/ Oração da Mãe Menininha. “O Danilo, quando terminou a gravação, me falou ‘Marininha, tenho certeza de que tem gente muito feliz lá em cima’”, orgulha-se a intérprete.

Rainha do Mar encerra um intervalo de cinco anos, desde o lançamento do disco Idílio. Produzido por Marina com direção musical de Ricardo Valverde, o álbum foi gravado ao vivo no estúdio em apenas dois dias. “Gosto do processo orgânico, porque minha mente está toda ali. A lindeza é que foi (gravado) no máximo em três takes (para cada faixa). De um modo geral, ficou o primeiro. Depois de um ano tocando, quando a gente entrou em estúdio, estava pronto”, explica a artista que até se perguntou por que gravar mais um tributo a Dorival Caymmi, depois de Gal Costa, Nana Caymmi e tantos outros.

A resposta veio de várias formas. O piano de Donato condensa as influências cubana, brasileira e africana de Marina. Caymmi tem uma forte ligação com a natureza, algo que ela também partilha. Danilo Caymmi viu originalidade no canto elegante de Marina e ainda acrescentou que seu pai, além de simples, era muito chic. Além disso, ela assume que, paralelo ao lado mais denso, ela tem uma porção alegre que adora sambar. “Neste mergulho, eu entendi a importância do Caymmi para mim. Cantar Caymmi pra mim é preciso porque ele encaixa na minha alma, pela asa que ele me dá para experimentar esse universo”, encerra o assunto.

 

Serviço:
Marina de La Riva – Rainha do Mar
Participações de Ney Matogrosso, João Donato e Danilo Caymmi
14 faixas
Universal
Preço médio: R$ 29,90

Os convidados
João Donato
Na véspera de gravar com João Donato, Marina dormiu mal e acabou lembrando do Canto a Yemanjá. Ela mostrou a música para a banda, que não se empolgou com a ideia de gravar. Quando Donato chegou, contou o que estava pensando. “Vamos fazer agora”, ouviu Marina como resposta, antes de registrar uma sessão toda no improviso.

Danilo Caymmi
O filho de mais novo de Dorival foi a porta de entrada para a obra que Marina queria gravar. Danilo não só aprovou a homenagem como se mostrou um fã de música cubana e ainda participou em dois shows da cantora. “Ninguém fez nada com esse olhar, com essa elegância. Meu pai era simples, mas era muito elegante”, disse Danilo para Marina.

Ney Matogrosso
Marina e Ney Matogrosso se conheceram quando foram chamados para participar do projeto Clubversão, da HBO. “Foi tão legal, porque vimos que tínhamos muita afinidade e deu certo”, lembra Marina que propôs um desafio ao cantor: um arranjo só de baixo para Só Louco. “O Ney amou o desafio. Foram dois takes e acabou”.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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