“Se alguém tentar explicar ao público anglo-americano quem é Caetano Veloso, vai acabar construindo um híbrido de Brian Wilson (Beach Boys), Stevie Wonder, Bob Dylan, Syd Barrett (Pink Floyd), John Lennon e Bob Marley. O mundo pop de língua inglesa não tem um Caetano Veloso e é provavelmente por isso que gente como Beck, Kurt Cobain e David Byrne o idolatra”, é o que diz John Lewis, editor da publicação britânica Time Out, no livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer. E continua: “Andrógino, profundamente intelectual e, ainda assim, muito irreverente, ele é capaz de se apresentar a plateias do tamanho de um estádio de futebol com uma música desavergonhadamente esnobe”.

Um estrangeiro demasiado baiano para esquecer suas raízes. Entre a bossa sessentista de Domingo e a bossa roqueira de Abraçaço, ele abriu espaço para samba, sambareggae, frevo, rock, discoteca e ritmos tão inclassificáveis que somente alguém de conhecimento enciclopédico sobre música poderia misturá-los. Caetano Veloso é exatamente isso, um bicho fluído, antenado, atento, adequável e sempre moderno. Ou não, ele também sabe ser tradicional, interiorano, bucólico e conservador.

O fato é que o filho de Dona Canô, dona de casa que casou com o funcionário dos Correios José Telles Velloso, completa hoje 75 anos, dos quais 50 foram dedicados a uma carreira discográfica que apontou e absorveu muitos caminhos da música brasileira. No entanto, na confusão de referências que preenche a cabeça de Caetano é impossível compreender sua arte apenas pela música. O irmão mais ilustre de Maria Bethânia é também próximo das artes plásticas e, desde muito pequeno, gostava de desenhar e  sonhou em ser pintor. As calçadas da pequena Santo Amaro, localizada a 72 km da capital baiana, ficavam mais bonitas quando ele passava.

E como não falar do amor de Caetano pelo cinema. De cinéfilo apaixonado, ele pode provar um pouco de várias funções que a sétimo arte propõe. Um dos seus primeiros trabalhos foi como autor de críticas e ensaios sobre seus diretores preferidos. Ele ainda provou da porção ator atuando, entre outros, em O Demiurgo (1970), loucura lisérgica de Jorge Mautner filmada durante o exílio em Londres, e O Mandarim (1995), película experimental sobre o cantor Mário Reis que traz Caetano interpretando a si mesmo. Até o papel de diretor, o baiano teve a oportunidade quando lançou o inclassificável Cinema Falado (1986). E o que dizer do único brasileiro a cantar numa cerimônia do Oscar? Em 2003, ele subiu ao palco do Kodak Theatre para interpretar Burn In blue, ao lado da mexicana Lila Downs. A faixa fez parte da trilha do filme Frida, de Julie Taymor, e era uma das concorrentes à estatueta de melhor canção.

E se for para entrar no assunto “trilha sonora para cinema”, a lista de experiências não caberia nesta página. “Eu e o Marcio tivemos o trabalho hercúleo de montar esse quebra cabeça quase enlouquecedor. Essa pluralidade talvez tenha sido o grande desafio”, comenta Carlos Eduardo Drummond, que dividiu com Marco Nolasco a recém lançada biografia de Caetano Veloso. Da formação do município onde os Veloso cresceram até os primeiros anos deste século, o livro destrincha a vida do compositor em detalhes até constrangedores, como a primeira transa e as relações quentes com Regina Casé (musa de Rapte-me, camaleoa), Vera Zimmermann (Vera gata) e Paula Lavigne (Branquinha), que começou a namorar Caetano em 1982, aos 13 anos.

Nas mais de 500 páginas do livro, as minúcias sobre o compositor de Você é Linda e Trilhos Urbanos foram proporcionadas por horas de pesquisas em periódicos e cerca de 103 entrevistas. “Não tínhamos ideia do tamanho da pesquisa que seria sobre o Caetano”, admite Carlos Eduardo que chegou a visitar todas as escolas por onde passou Caetano, dezenas de amigos e até o sempre desafeto Geraldo Vandré, um ferrenho crítico do tropicalismo.

É bem verdade que existe um desafio em escrever uma biografia sobre Caetano Veloso, uma vez que muito já foi escrito e o próprio já lançou Verdade Tropical, uma análise particular sobre sua vida e obra com ares de biografia. Some a isso o fato de Caetano ainda estar em plena atividade, já preparando disco novo para ser lançado em breve e que ele já anunciou que não vai ser uma continuidade do trabalho desenvolvido com a Banda Cê. 75 anos e Caetano continua, como define Rita Lee, “lapidado pelo tempo”, um “homem-vinho” um “eterno Dorian Gray”.

Serviço:
Caetano – Uma Biografia
De Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco
Ed. Seoman
544 pág.
Quanto: R$59.90

Discografia selecionada:
Caetano Veloso (1968)
Apontado como um dos 1001 Discos Para se Ouvir Antes de Morrer, o disco lançou as bases do tropicalismo com faixas como Alegria, Alegria.

Transa (1972)
Retrato dos anos de exílio em Londres, o álbum de sonoridade acústica revela a nostalgia e a saudade de casa. Um ponto alto da obra de Caetano.

Outras palavras (1981)
Já dominando a arte de fazer música pop, Caetano entra nos anos 1980 com álbum doce que explode em homenagens a amigos e ídolos, como os Trapalhões (Jeito de Corpo)

Totalmente demais (1986)
Em seu primeiro disco ao vivo, Caetano registra a participação no projeto Luz do Solo. Acompanhado apenas de violão, ele explora a ótima voz em Amanhã, Dom de Iludir e outras.

Circuladô (1991)
Cáustico, crítico e pop, o álbum tem a explosiva Fora de Ordem, a balançante Boas vindas e a delicada Lindeza. A parceria com Milton Nascimento em A terceira Margem do Rio é um destaque.

Eu não Peço desculpas (2002)
Dividido com Jorge Mautner, o álbum é exatamente o que se espera desses dois amigos: música boa misturada com loucura. Morre-se assim e Manjar de Reis são ótimas.

Cê (2006)
Gravado ao lado de um trio de jovens músicos, o álbum abre uma trilogia de estudos sobre o rock, o samba e a bossa nova. Tudo sustentado sobre baixo, bateria e guitarra.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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