Foto: Rama de Oliveira

Uma voz privilegiada para cuidar de um repertório primoroso. Assim é o show Zizi Possi canta Chico e Edu, todo dedicado aos parceiros Chico Buarque e Edu Lobo. A temporada começa hoje, na Caixa Cultural, e segue com duas sessões amanhã e domingo, 10. A paulistana de 61 anos divide o palco com Keco Brandão (teclados) e Bruno Mangueira (violão e guitarra).

A história de admiração mútua entre Zizi, Chico e Edu já vem de longa data. Um dos primeiros sucessos da intérprete foi Pedaço de Mim, dueto com Chico Buarque lançado no disco dele de 1978. No ano seguinte, a faixa batizou o segundo disco dela. Em 1980, foi a vez de Edu ter sua parceria com Joyce, Tempo Presente, gravada por Zizi. Tempos depois, Chico e Edu Lobo dividiram a trilha do ballet O Grande Circo Místico e Zizi foi convidada para interpretar a faixa título.

Entre as muitas trocas ao longo das quase quatro décadas de carreira, Zizi agora dedica um show inteiro aos compositores de A História de Lily Braun, Blues da Rosa e Dueto. Recém saída de série de problemas de saúde, cirurgias, perdas e depressão, ela conta por email como a música (e Nietzsche) vem ajudando a tirá-la da escuridão.

O POVO – Chico Buarque e Edu Lobo estão na sua história desde o começo. Como surgiu a ideia de montar esse projeto?
Zizi Possi – Eu tenho vontade de passear por esse repertório já tem um bom tempo. Surgiu a oportunidade e resolvi não deixar para depois!

O POVO – Queria que você me falasse do processo de composição desse show, desde a montagem do repertório à escolha dos músicos?
Zizi – Esse show é intimista. É para ser um encontro gostoso com o público, um momento para cantarmos e lembrarmos de poesia, música de qualidade! Convidei Keco Brandão, tecladista com quem já trabalho há muito tempo, e ele trouxe Bruno Mangueira, violonista e guitarrista, professor universitário de música. Os dois têm uma inteiração bonita e conseguimos criar timbres “gostosos” de se ouvir, para apresentarmos músicas tão lindas.

O POVO – Você já cantou muitas músicas compostas por Chico e Edu, tanto sozinhos como em dupla. Queria que você comentasse as canções desse show que são inéditas na sua voz.
Zizi – Entre elas, as inéditas na minha voz: Ciranda da Bailarina, A História de Lily Braun, Lero Lero, Carolina e uma surpresa. Tem que vir e ouvir!

O POVO – Esse projeto nasce depois de você passar por uma série de problemas de saúde. Chegamos a conversar pouco depois de você se recuperar do problema na coluna, quando você veio a Fortaleza. Como você está se sentindo agora? A saúde está 100%?
Zizi – 100% é querer demais!! Estou fazendo amizade com as dores e, até o ponto em que permanecem “negociáveis”, fica tudo lindo. Às vezes elas são duras na queda, incomodam mesmo. Aí não tem jeito, tenho de recorrer a um “tarja preta”. Mas estou feliz porque isso tem sido cada vez mais raro.

O POVO – Existe muito preconceito e desinformação em torno de quem sofre de depressão. Ainda há quem encare o assunto como uma tristeza qualquer ou ainda “frescura”, ainda mais no caso de uma artista bem sucedida. O que você extraiu dessa experiência? O que tem feito para superar? O que diria a quem passa pela mesma situação?
Zizi – Meu novo trabalho de carreira, que estou ensaiando e tem data de estréia marcada para dia 4 de outubro no Teatro Cetip em SP, é exatamente sobre isso. Meu irmão, o diretor de teatro José Possi Neto, quis saber o que eu andava lendo e informei que era Nietzsche. Ele ficou um pouco assustado… Então quis ler o que eu andava escrevendo (isso em 2014) e mostrei com muita reserva meus textos a ele. Foi surpreendente! Ao nos encontrarmos no dia seguinte, ele havia lido tudo e estava em êxtase! Roteirizou minha história de depressão, reunindo textos meus, uma citação de Nietzsche, textos de Eduardo Ruiz (poeta brasileiro paulista, fan-fás-ti-co!) e de Donna Tartt (prêmio Pullitzer de literatura). E assim nasceu Flor da Pele, um monólogo com música, mais para cinema ao vivo. A abordagem é realmente cinematográfica, e mostra minha trajetória de forma aberta, humana, honesta, como Alice caindo no buraco que parece nunca ter fim… Foi assim que me senti durante muito tempo. Mas a arte, principalmente a música, me apontou caminhos, pegou suavemente na minha mão e me fez enxergar a vida como nunca antes havia sequer suposto. Aí está “a razão de tudo, a saída do nada” (frase do Edu Ruiz). Penso em publicar meus textos, oportunamente. No momento estou me dedicando inteiramente a este desafio revivificante! “Falar” textos tão íntimos. A trilha musical é feita ao vivo com dois músicos por quem estou absolutamente apaixonada: Daniel Grajew piano, teclados e acordeon; e Vinícius Gomes – violões e guitarra. Os arranjos são deles. A parte gravada está a cargo de Felipe Venâncio. Aguenta coração!

O POVO – Você tem apenas dois discos ao vivo, um deles de canções inéditas na sua voz e em inglês, e outro, Tudo Se Transformou, que não parece representar bem sua carreira. Por que tão poucos trabalhos ao vivo? E por que tanto tempo para lançar o primeiro?
Zizi – Algumas coisas nessa vida não tem exatamente “explicação”. A pós- produção de um disco ao vivo é bastante demorada, trabalhosa e cara. Hoje em dia o mercado mudou tanto… Acredito que o formato de gravação e de distribuição terão de sofrer mudanças também. Nada ainda está num lugar confortável. Acho que é por isso…

O POVO – Tudo se Transformou parece ter sido prejudicado pelos problemas de saúde e pessoais que vivia na época. E este é seu último disco completo. Já existe plano para um novo CD?
Zizi – Quero muito gravar a trilha de A Flor da Pele. Tem uma linguagem bem contemporânea, que eu tinha muita vontade de realizar há anos… Finalmente chegou!!!

O POVO – Esse ano faz 20 anos que você lançou Per Amore, seu trabalho mais bem sucedido comercialmente. Como você avalia esse disco hoje?
Zizi – Um dos momentos mais felizes da minha vida em realizações, reconhecimento, trabalho, alegria… Uma benção!

https://www.youtube.com/watch?v=sLObg309VKI

O POVO – No ano que vem seu disco de estreia completa 40 anos. Existe algo em especial planejado para a data?
Zizi – Por enquanto nada definido, mas certamente não passará em brancas nuvens!

O POVO – Recentemente assisti sua participação no programa Som do Vinil, falando sobre o álbum Sobre Todas as Coisas. Você falava do desejo de romper com uma lógica de trabalho e apostar num som diferente, formato diferente, repertório diferente, modo de cantar diferente. Como você vê, hoje, essa escolha? Faria algo diferente? Me parece que você fez o mesmo anos depois, quando, depois de dois discos em italiano, que venderam, bem você lançou um trabalho camerístico de voz e piano. Estou certo?
Zizi – Exato Marcos! E é o que estou fazendo novamente em A Flor da Pele. A concepção é bem contemporânea, com timings que devolvem um pouco da sensação de “tempo perdido”, de “pressa, pressa, muita pressa!” que vivemos hoje em dia.

Serviço:
Zizi Possi canta Chico e Edu
Quando: hoje, às 20h; amanhã, às 18h e às 20h; domingo, 10, às 17h e 19h
Onde: Caixa Cultural (Av. Pessoa Anta, 287 – Praia de Iracema)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Telefone: 3453 2770

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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