Vanessa da Mata já não tem mais medo do escuro, do inseguro ou dos fantasmas da própria voz. Daquela compositora que estreou aos 21 anos na voz de Maria Bethânia ficaram os desejos maiores, que ela vai realizando a cada novo trabalho. Com 15 anos de uma carreira reconhecida, estabelecida e popular, a mato-grossense de 41 anos estreou esse ano o show Caixinha de Música. Dançante e com forte pegada eletrônica, o espetáculo dirigido pelo guitarrista Maurício Pacheco chega esta noite ao Teatro Riomar Fortaleza, em única apresentação.

Caixinha de Música é um passeio por muitas histórias de vida e carreira de Vanessa da Mata. Ela visita sucessos, raridades e memórias musicais. “É um show que viaja para vários lugares. São três músicos que preenchem muito bem esses buracos de silêncio, embora ele também tenha uns silêncios”, comenta a artista, por telefone, se referindo aos seus parceiros de palco – além de Maurício (guitarra, baixo, violão, programações eletrônicas, vocais e efeitos), tem Rodrigo Braga (teclado baixo synth e vocais) e Ruvício Santos (bateria, percussões, pads). “E é um show poético e traz uma coisa muito da década de 1970 que é um final de música mais demorado. Hoje existe uma pressa grande pra encaixar a música num tempo de rádio, que não tem espaço para um final”, explica.

Essa viagem pelas memórias musicais de Vanessa tem paradas bem curiosas. Natural Mystic é a faixa que abre o álbum Exodus (1977), de Bob Marley. Colada em Vermelho, a faixa lembra o tempo em que ela integrou bandas de reggae (como o Black Uhuru) em início de carreira. “A gente fez brincando num ensaio e aí ficou bonito. Já existia ali um potencial de beleza de arranjo”, lembra. Do reggae para o rock, Love Will Tear us Apart, do Joy Division, se conecta musicalmente com Por Onde ando Tenho Você. “Foi uma sensação que tive, na verdade. Ela se encaixou musicalmente, mas não por conta da letra, que é o oposto”, avisa.

Caixinha de Música faz também uma viagem até o Mato Grosso, onde Vanessa da Mata ainda pequena cantava É Impossível Acreditar que Perdi Você, de Márcio Greyck. “Já tinha vontade de fazer alguma coisa com essa música. Esses românticos brasileiros são muito necessários por que tinham uma fatia grande de mercado, mas não tinha o respeito intelectual”, avalia ela que, dentro da mesma lógica, acrescentou os sertanejos Milionário & José Rico, responsáveis pelo sucesso de Vá Pro Inferno com Seu Amor. “Eu tinha resistido a cantar sertanejo, mas, com esse momento (de sucesso do sertanejo universitário), eu não resisti”, brinca ela que, por conta do berço, teve muito contato com a música sertaneja, com o Brasil profundo. “Eu gostava muito de Cascatinha & Inhana, Chitãozinho & Xororó, Tonico & Tinoco, que tinham uma base intelectualizada, uma formação muito melhor que o sertanejo universitário”, ri.

A Força que não seca
Caixinha de Música chega quando Vanessa da Mata celebra seus 15 anos de uma carreira que ocupou muito espaços, chegou ao exterior e correu alguns riscos. “Tem músicas lentas, todas queridas. Não posso deixar isso de lado”, lembra a artista que também traz para seu novo show velhos sucessos como Ainda Bem e Te amo.

Mas Caixinha de Música não é só um momento de olhar para trás. O show agrega quatro faixas inéditas, incluindo o ritmo impactante de Gente Feliz. Primeiro single do novo projeto, a faixa é fruto da parceria de Vanessa com a banda BaianaSystem. “É uma música que fiz há muitos anos por conta de uma frase que a Fafá de Belém me disse que ouviu da Elis (Regina): ‘não deixe ninguém silencie a sua alegria, por que a minha já conseguiram’”, lembra Vanessa que quis lançar a faixa agora em resposta às atuais tensões políticas, sociais e culturais. “É um momento que não querem que a gente lute, mas tem gente lutando. Ter que ser feliz no momento de ser feliz e lutar no momento de lutar.

Lançado há 10 anos, Sim também não poderia ficar fora dessa celebração. O álbum que confirmou a aproximação da cantora com os sons jamaicanos, fez um sucesso gigantesco dentro e fora do Brasil (principalmente por conta de Boa Sorte/ Good Luck, dueto com Ben Harper) e trouxe no pacote uma cobrança maior para sua carreira. “Todo mundo queria gravar uma música comigo e esperavam que iria repetir o mesmo sucesso de Boa Sorte”, lembra sem mágoa. Sobre o álbum que tornou-se seu recorde de vendas (mais de 600 mil cópias), ela destaca a presença da dupla jamaicana Sly Dunbar (bateria) e Robbie Shakespeare (baixo). Ela confessa ainda se surpreender quando lembra que tocou ao lado deles que são verdadeiras lendas na história do reggae.

Mas, se Sim foi um marco de vendas e prestígio, o disco de estreia (Vanessa da Mata, 2002) não perde em importância. Se definindo como “pé no chão e ressabiada”, ela tenta ser cuidadosa ao avaliar esse álbum. “Como tenho uma autocrítica muito dura, na verdade, eu não fico vendo o que mudaria (nos discos), por que se não eu fico louca. Não escuto, mas, quando escuto, tenho uma surpresa boa. Quando escuto fico muito feliz, inclusive com as letras. Eu nem entendia como o mercado ia absorver aquilo. Eu tinha uma visão, e a gravadora também, de que era uma trabalho que não ia avançar muito além do chic. Mas foram caminhos muito diversificados que meu trabalho tomou”.

E hoje, diante do novo cenário musical que se desenha, ela volta a enxergar os caminhos futuros com esse olhar pé no chão. “O mercado está muito estranho, está mudando muito rápido. Existe um tipo de ídolo que é de streaming e de seguidores. Que ganha muito mais dinheiro com publicidade que com música. E um artista consagrado não tem tanta atenção nesse sentido publicitário, mas ele tem fãs que acreditam que o dinheiro que dão num show tem um bom investimento. Eles vão e pagam com prazer. Esse outro artista, que tem mais polêmica, você vai mais por curiosidade. A gente não sabe quanto tempo esse ídolo de curiosidade tem no mercado. E a gente não sabe também o que pode acontecer com a gente. Tem muita incógnita no meio disso”.

Serviço:
Vanessa da Mata – Caixinha de Mùsica
Quando: amanhã, 14, às 21 horas
Onde: Teatro RioMar Fortaleza (Av. Des. Lauro Nogueira, 1500 – Papicu).
Quanto: R$120 (plateia alta), R$160 (plateia baixa B) e R$200 (plateia baixa A). Preços de inteira. À venda no local e no site
Pontos de venda: 4003 1212

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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