Há pouco mais de um mês, conversei com Paulo Miklos sobre o show que ele vinha fazer em Fortaleza para apresentar seu primeiro disco pós-Titãs. Como, na época, o blog estava fora do ar, a conversa não veio pra cá. No entanto, como o bate-papo foi bacana, sincero e cheio de boas histórias, estou trazendo para cá agora. Miklos, além de grande cantor, se mostrou o grande sujeito, aberto ao diálogo, disposto a se abrir diante desse novo momento. O resultado é um dos melhores discos de 2017, surpreendente, sensível e corajoso. A matéria está atrasada, mas acho que ainda vale a leitura

Os sinais já vinham gritando há muito tempo. Primeiro foi a aclamação como o ator principal do thriller O Invasor, de 2002. Depois veio uma novela, outro filme, mais um e mais um. Depois o teatro, quando pode dar vida – com muitos elogios à atuação – à lenda do trompete Chet Baker. A carreira de cantor e compositor nunca foi abandonada, nem mesmo perdeu terreno. Mas, cada vez mais, Paulo Miklos foi sendo reconhecido, tanto pelo timbre rouco e explosivo, quanto pela atuação.

Mesmo reconhecidos por terem vários projetos paralelos, os Titãs ficaram pequenos para todas as vontades desse paulistano de 58 anos. E foi assim que, em 11 de junho de 2016, Paulo Roberto de Souza Miklos deu adeus aos colegas que acompanhava há mais de 30 anos para seguir uma carreira solo que olha para muitas plataformas. Sim, além da música e da atuação, ele também já atuou como jurado de reality shows e comentarista esportivo. Essa história, que passa por ginásios lotados e perdas pessoais, será contada pelo próprio autor dela, a partir hoje, na Caixa Cultural.

Paulo Miklos é o último convidado dessa temporada do Palco Brasil – que trouxe, nas últimas semanas, Fernanda Takai e Zélia Duncan a Fortaleza. O formato da apresentação é intimista. Um banquinho, um violão e um balaio de canções que costuram a vida e a carreira do protagonista em cena. “É um exercício bacana. Resolvi comentar da minha formação de músico, como a música entrou na minha vida, meu primeiro cachê”, enumera Miklos, por telefone.

Por aqui, ele também fala de A gente Mora no Agora, terceiro trabalho solo e o primeiro que ele lança oficialmente como um ex-Titã. Produzido por Pupillo (Nação Zumbi) com direção musical de Marcus Preto (Gal Costa, Tom Zé), o álbum explora a versatilidade de Miklos como cantor e compositor. Já acostumado a trabalhar com grandes grupos, ele se cercou de uma lista grande de parceiros: Erasmo Carlos, Emicida, Mallu Magalhães, Silva, Tim Bernardes… “São canções muito bacanas, fortíssimas. Um disco bem cuidado, com arranjos do Letieres Leite. O Nando (Reis) me deu uma canção, um presente pra mim. Com o Arnaldo (Antunes) é um frevo rasgado, com arranjo do Maestro Duda. Um disco muito rico. Essa diversidade me representa”, avisa.

A gente Mora no Agora é um trabalho que reconstrói Paulo Miklos após uma sucessão de perdas. A separação amigável dos Titãs é a parte consciente e administrável desse percurso difícil. Teve ainda três perdas importantes, ao longo de apenas seis meses: o pai, a mãe e a esposa. Ele também não absorveu bem o impeachment de Dilma Rousseff e se diz mais um “petralha desgraçado do que um coxinha”. “Sofro como qualquer um, rio por que sou feliz”, canta em Vou te encontrar (o tal presente do Nando).

E cantar aqui é verbo conjugado na melhor qualidade. A Gente Mora no Agora certamente é um trabalho feito por um artista maduro, ciente do seu caminho. Sem um mínimo de arroubo adolescente, cordas, guitarras estão à serviço da experiência de 35 anos deste senhor que canta com um sinceridade que chega a doer. É por isso que ele não tem medo de soar como um Roberto Carlos modelo “anos 1980” em Todo Grande Amor – sem palavras para descrever o quanto essa composição é tocante. Nem de encarar uma balada bem “novela das seis” em parceria com Guilherme Arantes (Estou pronto). “Ao mesmo tempo que trago tudo que aprendi, estou escrevendo novas páginas. Deixei a banda (Titãs) pra me lançar mesmo, escrever novas histórias. Esse disco representa um novo momento”, explica, como se isso fosse necessário.

Para entender o que Paulo Miklos queria em A gente Mora no agora é preciso perceber um detalhe no vídeo que ele gravou ao lado de Erasmo Carlos, uma espécie de avant-première da parceria para o Tremendão. Já depois de ouvir a Canção, Erasmo comenta que gostou e que torce para que a música “dê certo”. Imediatamente, Paulo diz: “Já deu”. Sim, o que ele queria já deu certo. Cantar novas canções, mostrar que está vivo, pronto e amando de novo. Era isso.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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