Existe um grupo de canções muito populares norte-americanas que já foi interpretado por meio mundo de intérpretes do planeta. É o que chamamos de standards, músicas curtinhas, de apelo fácil e sofisticação bem dosada. No Brasil, equivale aos “clássicos”, músicas que bastam começar a tocar, que o público imediatamente sai cantando junto.

Entre os compositores famosos no mundo dos standards, Cole Porter, George e Ira Gershwin estão entre os mais requisitados e estão presentes em três lançamentos recentes. Um deles é claro nas intenções: Standards traz 11 canções bem conhecidas na voz privilegiada de Seal. Depois de dois tributos à soul music, o cantor londrino coloca sua rouquidão a serviço de sucessos gravados por Frank Sinatra (I’ve got you under my skin), Nina Simone (I put a spell on you) e Chet Baker (My Funny valentine).

Se o repertório é impecável, Seal acaba caindo na armadilha comum a esse tipo de projeto: o excesso de zelo. Acompanhado de banda e orquestra, Standards garante 42 minutos de grandes canções interpretadas sem surpresas. O que mais se aproxima de um destaque é Anyone Who Knows What Love Is, balada famosa na voz de Irma Thomas, que cresce no tom dramático do intérprete de 54 anos. Embora não seja uma ousadia por completo, Love For Sale, com arranjo bossa nova, faz um afago na alma brasileira. As demais faixas seguram a onda, conservando a beleza que ganharam de nascença.

Falando em belezas naturais, o segundo disco a mergulhar nesse mundo de standars é Someone To Watch Over Me. Lançado pelo selo Verve, dedicado ao jazz, o álbum traz a voz preciosa de Ella Fitzgerald (1917 – 1996) cercada pela London Symphony Orchestra. O projeto, já foi feito com outros artistas, consiste em isolar a voz para depois encaixá-la em arranjos inéditos. Funciona? Sim, mas, no caso deste disco feito para marcar o centenário de Ella, não acrescenta muito. Só por contar com uma voz dessas como guia, tudo já soa saboroso.

Figurando entre as três maiores divas do jazz, Ella Fitzgerald era um instrumento em pessoa e cantou até seus últimos momentos de vida. Em meio a uma discografia gigante, foram pescadas 12 faixas para essa homenagem, das mais famosas a outras nem tanto. A brincadeira ao lado de Louis Armstrong em Let’s Call The Whole Thing é um bom exemplo, assim como Let’s Do It, brincadeira levada a sério. Se for pra ficar só com uma faixa a sugestão é Misty, com sua melancolia tocante.

Na abertura de Someone to Watch Over Me, Ella “divide” People Will Say We’re in Love com Gregory Porter. Dono de dois grammys, Porter é reconhecido como uma das vozes mais promissoras do jazz atual. Aos 46 anos, eles esteve há pouco tempo no Brasil apresentando seu mais novo trabalho, Nat King Cole & Me. O disco é uma declaração de amor ao ídolo de infância do cantor de Sacramento, Califórnia. Ele conta que assistia TV e não se reconhecia naquelas pessoas brancas que via. Foi só ao encontrar um disco de Nat no meio da coleção da mãe que ele conseguiu se reconhecer em algum artista.

Tal qual Nat, Porter entrega 100% de sua interpretação à afinação, deixando de lado qualquer arroubo para provar que sabe cantar. A única faixa que foge a essa regra é Smile, que até soa açucarada demais. Mas a divertida L-O-V-E é puro deleite. Já os violinos que abrem Mona Lisa é puro chantilly, mas funciona bem para deixar o trabalho mais radiofônico. Sim, por que assim como Seal e Ella com a London Symphony Orchestra, a ideia desses trabalhos está longe dos grandes clássicos do jazz, que buscavam expandir os limites da composição e da execução. Aqui é mais simples, é música boa para tocar no rádio.

>> No Brasil e no mundo, muitos trabalhos foram pautados pela ideia dos clássicos e standards. Conheça abaixo alguns dos que mais fizeram história nessa seara:
> Série
Um dos trabalhos mais populares de standards foi The Great American Songbook. Gravada por Rod Stewart e com forte aceitação radiofônica, a série se estendeu por quatro volumes, até que cansou. Também rendeu um box de luxo e um DVD.

> Estreia
Os Beatles mal tinham acabado, quando Ringo Starr fez estreou solo com Sentimental Journey. O apanhado de memórias musicais costura nomes com Louis Armstrong, Fred Astaire e Doris Day. Os arranjos contam com Quincy Jones, George Martin e outros.

> Country classic
Willie Nelson também se deu bem no mundo dos standards. Com produção de Booker T. Jones, a lenda do country lançou Stardust (1978) e recebeu muitos elogios. Com muita elegância, ele interpretou 11 faixas, onde se destacam All Of Me e a faixa título.

> No Brasil
Por aqui, não é raro encontrar quem saia do seu nicho para pescar pérolas do nosso cancioneiro de “clássicos”. Foi o que fez Daniela Mercury no álbum Clássica (2005). Segurando o rebolado, ela selecionou canções de Roberto Carlos, Chico Buarque e outros para mostrar outro lado de sua interpretação. O mesmo fez Fagner, no disco Demais (1993). Como um crooner, o cearense se coloca a serviço de Tom Jobim, Lupicínio Rodrigues e Dorival Caymmi.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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