Foto: Daryan Dornelles/Divulgação

Por João Gabriel Tréz (joaogabriel@opovo.com.br)

Pelo sobrenome, Alice Caymmi é associada a uma sonoridade específica que vem como “herança” direta de seus familiares envolvidos com a música. No entanto, desde o primeiro disco, lançado em 2012, a artista parece querer se desvencilhar desse legado, intenção que seguiu em Rainha dos Raios (2014) e chega ao ápice com seu mais recente trabalho. Tendo parceiras com Pabllo Vittar, Rincón Sapiência e Ana Carolina, além de uma sonoridade pop, o disco Alice é produto direto da vontade de se distanciar das expectativas e se aproximar de si mesma.

Mesmo com Alice agregando referências pouco óbvias na carreira até então – indo de Björk no disco de estreia a MC Marcinho e Maysa no segundo álbum -, a força das expectativas seguia intensa na trajetória da artista. O gênero musical de Rainha dos Raios foi creditado por várias publicações como “MPB”, ainda que a sonoridade do trabalho se aproxime mais do inclassificável e, além disso, Alice se viu enredada em outra associação direta: por ser autora de um disco forte, poderoso e grave, tais características foram ligadas a ela própria.

Em entrevista por telefone, Alice conta que, desde então, tinha o desejo de ir além, “mas não tinha ideia de como seria”. “Por isso, procurei um novo parceiro para encontrar uma linguagem, uma saída. Foi quando conheci a Bárbara (Ohana, produtora de Alice) e consegui encontrar o que eu ia seguir dali pra frente”, contextualiza. Para seguir com a intenção, Alice escolheu o caminho do pop. A união da nova sonoridade com a afirmação da própria identidade se refletiram nos principais temas do disco: o amor – que vai do sofrimento de Inocente (“eu tenho medo de chorar e não voltar/ Porque eu sinto tanta falta de você”) à superação de Sozinha (“eu sou sozinha, sim/ Eu mesma faço um par comigo”) – e a auto afirmação, presente em Inimigos (“o meu dinheiro eu que fiz/ Minha carreira eu que faço”) e na versão de What’s My Name? (Odudá), de Moacir Santos (“qual é o meu nome?/ A-l-i-c-e, esse é o meu nome”, na tradução).

“Tudo o que um artista faz é auto-centrado e auto-afirmativo. Mas esse trabalho é mais ainda, porque abre mão de um personagem que é muito forte, a Rainha dos Raios, para jogar luz em mim, em quem realmente sou eu”, explica Alice. “Quando você cria um personagem, ele por vezes se torna invencível. (No novo disco) Eu quis trazer justamente a vulnerabilidade da Alice, que é quem sou. Isso inclui delicadezas, fraquezas, problemas, questões que são comuns a todo mundo”, avança a artista.

A cantora elenca Rihanna, Beyoncé, Kendrick Lamar, Tyler The Creator e Erykah Badu como referências para “chegar nessa linguagem um pouco mais pop, mas que tem um caminho específico pelo rhythm and blues”. Sobre o pop nacional, Alice se diz “orgulhosa” pelo espaço que artistas como Anitta e Pabllo Vittar conseguiram. A parceria com a última, inclusive, foi um dos pontos mais controversos do novo disco. Antes mesmo do lançamento, fãs reagiram negativamente à presença de Pabllo no trabalho. “Isso tem a ver com o ranço de uma ideia de MPB que não existe e com a auto-afirmação dessas pessoas em relação à classe, dinheiro, cultura e ‘bom gosto’. São pessoas que não merecem aproveitar artistas como a Pabllo, que não sabem absorver, entender e aproveitar a música”, considera.
A vontade de Alice, no final das contas, é pelo direito de, simplesmente, ser. “É muito difícil me distanciar disso. Eu tô num momento de transição que não é fácil. Sei que as pessoas não vão entender rapidamente, mas vou cada vez mais martelar isso e sair de perto dessa história. É uma questão de me afirmar. Eu sou além do Caymmi. Não é questão de ‘não preciso disso’, mas sim questão de ser quem eu sou na essência, fora todas as presunções”, atesta.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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