• Uma singela homenagem ao amigo Antônio do Amaral Rocha publicada nas páginas de Opinião do O POVO de hoje

Lembro muito bem da primeira vez que vi Antônio do Amaral Rocha. Fazíamos parte de uma equipe de jornalistas que estava em Recife cobrindo um festival de música instrumental. O assunto da época era o fim da edição impressa do Jornal do Brasil, que também mandou um repórter para aquele evento de quatro ou cinco dias. Bem mais que a questão que instalava dúvidas no mercado de notícias, eu estava interessado em trocar uma ideia com aquele jovem senhor paulistano, magro, de ralos cabelos brancos, vestido de forma simples que fumava constantemente.

É que Antônio estava ali representando a Rolling Stone Brasil, publicação recente no País, mas que eu colecionava desde o primeiro número – e continuo colecionando. Pra mim, eu estava na frente de um papa, a quem eu precisava pedir benção, licença antes de me pronunciar. O cara tinha uma forma muito tranquila de escrever e eu sonhava conseguir aquela mesma medida. Além disso, ele estava com o crachá de um veículo que tinha a música como foco, e que eu achava ser o meu sonho profissional.

Não precisou de muito para que tanta cerimônia fosse jogava de escanteio. Antônio falava, comia, bebia, perguntava e agia como todos os demais. Lembro de quando ele se dirigiu a um músico da programação do festival: “perdão pela pergunta rasa, mas de que estado você vem?” Como assim, ele também era capaz de fazer uma pergunta rasa? Daí em diante confirmei que não existe pergunta rasa e que, se há dúvida no repórter, melhor perguntar do que fazer uma matéria rasa. Horas depois, estávamos assistindo Dado Villa-Lobos tocando em uma das igrejas de Olinda. Diante da performance do guitarrista ex-Legião Urbana, pensei e fiquei calado: “putz, ele é muito fraco”. Curiosamente, Antônio me cochichou: “ele é muito fraco”. Agora também concordávamos.

Desse breve encontro, nasceu uma amizade que insistiu em estreitar as distâncias físicas. Inicialmente foram os e-mails atualizando notícias. Depois inbox no Facebook, whatsapp e algumas ligações para trocar ideia. Alguns encontros, no Ceará ou em São Paulo, também serviam para falar sobre o país e, cada vez mais, sobre música. Toda a alegria de saber que tenho um amigo que eu achava ser Deus se repetiu quando vi uma foto recente dele, sorrindo numa cadeira de rodas e passeando com a família por um parque paulistano. Tendo sofrido um severo AVC há poucos meses, aquele sorriso revela a força de vontade de viver daquele velho repórter. Deste lado do Brasil, aquele sorriso também me deu a esperança de voltar a sentar e conversar sem cerimônia com aquele cara que não estava nem aí para a minha idolatria.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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