Por Renato Abê (renatoabe@gmail.com)

A banda Francisco, El Hombre que agora acumula indicação ao Grammy Latino e música em trilha de novela das nove vivia outro contexto há três anos. O quinteto enfrentou tempos difíceis após perder tudo em assalto durante a turnê Mochilazo. Em 2015, na cidade de Mendoza (Argentina), levaram “carro, instrumentos, discos, amplificadores, roupas, dinheiro, mochilas e documentos”, conforme lamentaram, nas redes sociais, pedindo ajuda. Podia ser o fim. Mas não teve jeito, apesar das violências (urbanas, simbólicas), o grupo mexicano-brasileiro não desistiu do calor da rua e agora chega a Fortaleza para se apresentar pela primeira vez. O show será às 22h30min de sábado, 28, na Praça Verde do Centro Dragão do Mar.

“A cada apresentação, eu me sinto sortudo por assistir ao espetáculo que é o público a pleno pulmão, com o coração pulsando quase para além da pele. Vamos pro Maloca e pra Fortaleza pela primeira vez, estou com a chama nos olhos acesa já”, afirma Mateo Piracés-Ugarte, em entrevista ao O POVO. O artista mexicano idealizou a banda ao lado do irmão, Sebastián, em 2013, e, ao escolherem Campinas (SP) como cidade para fazer morada, encontraram os brasileiros Juliana Strassacapa, Andrei Martinez Kozyreff e Rafael Gomes. Pronto, o quinteto estava formado.

Depois de dois EPs, o primeiro disco, SOLTASBRUXA (2016), veio permeado por letras que descortinam o cenário político e social do País. “Em 2016, a gente gravou o que sentíamos gritando, o que nos conectava, gravamos usando ironia. Claro que em 2018 esses gritos ainda representam quem somos ou muito daquilo que pensamos. Mas agora estamos em outra fase e, nesse momento, eu não quero mais abordar esses gritos com ironia. Agora é momento de pegar fogo”, analisa Mateo, ponderando que a democracia do País vive tempo de fragilidades.

No repertório, além da dançante Calor da rua e de Triste, Louca e Má (música com forte teor feminista), Francisco, El Hombre apresenta também Bolso Nada – canção que faz referência ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Questionado se a música acaba dando visibilidade ao político, Mateo reflete: “Agradeço demais por essa pergunta, aliás, porque durmo e acordo com essa pulga atrás da orelha. Com certeza teve esse questionamento (na composição) e até hoje isso cresce em nós a cada vez que tocamos ela”, pondera, afirmando que a Bolso Nada critica não apenas um deputado. “Nos show estamos agregando partes nessa música em específico, para abranger mais significado”.

Com forte musicalidade de ritmos latinos, o grupo defende a conexão do País com seus vizinhos. “Tudo aqui é parecido ao resto do nosso continente: história, resiliência, massacre, resistência, cultura, diversidade, cores fosforescentes, imigração, miscigenação, alegria, malemolência. O que realmente distingue o Brasil do resto é o costume inconsciente que se tem de pensar que existe o ‘Brasil e a América Latina’, como se fosse a parte por causa do idioma”, desconstrói.

Banda analisa faixas do disco SOLTASBRUXA
Tá com dólar, tá com deus
“É uma das músicas mais explosivas do show. Todo mundo se identifica um pouco com esse refrão, que fala da valorização da vida material sobre o imaterial. Foi composta exatamente num momento em que a mídia estava falando muito de valor do dólar, do real, tentando criticar governos através disso”. (Mateo Piracés-Ugarte)

Triste, louca ou má
“É uma provocação que eu fiz a mim mesma primeiro e depois se estendeu a outras mulheres. Eu sinto que a mensagem reverberou por tantas manas, que conseguiram, através dessa efervescência que causa essa música, sair de situação de risco, de violência doméstica”. (Juliana Strassacapa)

Não vou descansar
“É sobre ir até a hora que tiver festa e a gente acaba aplicando essa mesma ideologia do ‘não vou descansar’ para muitas outras coisas, até por saber que a vida é uma grande luta. E aí é no sentido pessoal, político, social. A música traz a questão sobre a compreensão do ser brasileiro”. (Andrei Martinez Kozyreff)

Serviço
Show da banda Francisco, el Hombre
Quando: sábado, 28, às 22h30min
Onde: Praça Verde (Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura)
Programação gratuita

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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