Fotos: divulgação

Com uma voz suave e um timbre marcante, Mahmundi canta a energia que a cerca. Considerada um dos nomes promissores de sua geração, a jovem, de 31 anos, traz a bagagem de quem muito viu e aprendeu nos anos que trabalhou como técnica de som no famoso Circo Voador. A casa, que já recebeu nomes como Barão Vermelho, Raul Seixas e Tim Maia, foi onde Marcela Vale resolveu que soltaria a voz no mundo, lá nasceu Mahmundi.

O fato é que Mahmundi está no olho do furacão. Com o seu segundo disco recém lançado, Para dias Ruins (leia matéria aqui)o primeiro por uma grande gravadora, a Universal Music, a multi-instrumentista apresenta nove faixas que passeiam entre o reggae, o jazz e batidas eletrônicas. E mostra, mais uma vez, que a música para ela é negócio levado muito a sério. A menina que começou a cantar na igreja, hoje já não tem a religião como uma premissa de vida. E afirma que não tem receio de levantar bandeiras. Mas, que só faz isso de forma consciente.

Além de Para Dias Ruins, Mahmundi tem os EPS Efeito das Cores, 2012, e Setembro, 2013, e o primeiro disco homônimo, lançado de maneira independente em 2016. O novo disco é resultado de um período de observação. Em conversa com o DISCOGRAFIA, Mahmundi fala sobre esses novos momentos, sobre realizações, bandeiras, responsabilidades, leveza e alegria.

DISCOGRAFIA: Primeiro, gostaria de saber o porquê do nome “Para Dias Ruins”. Tem a ver com o momento em que o disco foi feito?
Mahmundi: O nome do disco é Para Dias Ruins acho que, justamente, porque eu estava passando por um período de observação e me vendo nos últimos dois anos, desde o meu último trabalho até aqui. E a mudança para São Paulo e outras coisas que me fizeram observar a vida de outro campo e perceber que aquilo estava mexendo comigo de alguma forma. Tem muito da minha observação. Então, o disco traz muito isso, de fato parar e olhar para as coisas e entender como aquilo estava me afetando. Mas, o disco não fala especificamente de dias ruins e nem querendo resolver esses dias ruis. Na verdade, eu falo muito de um tema, estou falando de amor. Que é uma coisa que, independente de dias bons ou ruins, está sempre presente. O disco fala sobre isso, fala de momentos pessoais como em Eu Quero ser o mar, fala de momentos juntos como Felicidade e Outono. É por aí…

DISCOGRAFIA: Como foi o processo de criação e produção desta vez? O que você sentiu de diferença desde o seu trabalho de estreia? Em quais aspectos você amadureceu?
Mahmundi: O meu trabalho de estreia foi em 2012 e muita coisa mudou. Meus equipamentos mudaram, eu mudei muito. Aprendi muito mais coisas que antes. E agora foi o momento de perceber essa evolução. É um momento de amadurecimento e execução desse amadurecimento. Foi muito bacana perceber como eu estava me vendo, como o mercado estava me vendo, como os meus fãs me viam. E, principalmente, como eu produzia música. Fui entendendo como fazer música. E agora estou pegando e amarrando essas habilidades cada vez mais.

DISCOGRAFIA: Sei que pode ser difícil escolher, mas você tem alguma faixa favorita neste trabalho?
Mahmundi: Eu gosto muito de Eu Quero ser o Mar por ser uma bossa nova. Decidi fazer com calma e pensar em todos os elementos.  Foi um momento de concentração, junto com um dos letristas, Cleison Barbosa, e foi um momento de muita concentração. Não que as outras não tenham passado por isso. Mas, essa tinha uma questão estética de mar e de fazer essa situação. E enfim, tinha uma questão de som. Acho que essa é a mais legal. Pelo menos, é a que eu mais gosto.

DISCOGRAFIA: Quais são suas inspirações na hora de compor? Como você sente que vai nascer uma canção?
Mahmundi: Eu estou sempre lendo livros. Gosto de ver filmes, gosto de imagens. Não é necessariamente estar tocando ou ouvindo uma música. Acho que todas as minhas referências são meio que visuais. Eu gosto muito de natureza. Mesmo. Entendo-a como um campo energético também. É a minha maior inspiração. As canções surgem. Eu não sei dizer quando vai acontecer. É meio bizarro. Você pode estar em qualquer lugar e, de repente, vem o ritmo, a melodia. Acho que poucas vezes eu fiquei “batendo muita cabeça”. Quando vem, vem. Simplesmente aparece.

DISCOGRAFIA: Qual o seu tipo de música brasileira preferida? E internacional? Quais músicas estão em sua playlist de canções favoritas?
Mahmundi: Eu gosto muito de samba. É uma parada muito bem forte pra mim. É uma coisa que realmente me traz uma felicidade, no ritmo e na melodia, que é surpreendente. O samba para mim é incrível. Já internacional, eu gosto muito de canções que todo mundo gosta. “Great hits”. Gosto de grandes canções, canções que pegam. Que todo mundo canta. Não é um estilo de música, são grandes canções.

DISCOGRAFIA: Em entrevista ao HuffPost Brasil você afirmou que não levanta bandeiras. Porque esse posicionamento? O público cobra isso de você? Você tem receio de levantar alguma bandeira? 
Mahmundi: Essa entrevista foi em 2016, eu tinha acabado de me mudar para São Paulo e essas coisas como o feminismo e o emponderamento estavam surgindo na minha cabeça. Eu tenho aprendido muito isso agora, tenho clareza só agora. Então, naquela época eu realmente estava entendendo primeiro, para depois, executar. Hoje, dois anos depois, eu tenho me posicionado com a minha vida, com a minha história de vida. Eu tento encorajar pessoas e trocar ideias com elas. Mas, eu acho que o melhor posicionamento que você pode fazer é de fato uma postura de vida. E é o que eu tento. Cada dia descobrir mais quem eu sou, ter orgulho da minha origem, de onde eu vim. Não esquecer nunca dessas coisas. Lógico que a gente nunca esquece. Só que, às vezes, em pequenos movimentos você acaba cedendo. Então, isso pra mim é posicionamento maior. É estar de acordo com a verdade que eu acredito. E buscar isso até o fim. Não tenho receio de levantar nenhuma bandeira. Eu acho que tudo que é feito com consciência, já são bandeiras.

DISCOGRAFIA: Você já tem um candidato a presidente? 
Mahmundi: Não tenho ainda candidato em mente nesse momento. É muito difícil. Mas, é muito complexo pensar nisso assim… Em uma entrevista de música, por exemplo. É um assunto tão vasto.

DISCOGRAFIA: Quem você admira mais como artista? Existe uma lista com quem você gostaria de fazer parcerias?
Mahmundi: Eu admiro muitos artistas no Brasil. Pela garra, pela história. Acho que a minha geração, a geração na qual eu faço parte na música brasileira, tem uma história de pessoas que têm algo a dizer, com alegria. E isso é um ponto importante. Mais até que luta, garra, superação. Acho que a minha geração vem com um sorriso no rosto. E falar disso apesar de tudo que a gente tem passado, ter a vontade no fazer. Eu acho que é isso que eu admiro. É tudo que a gente tem passado na nossa vida e como a gente se posiciona para levar essa música para o palco. Com juventude, com felicidade, sabe? Isso é o que eu mais admiro. E eu tenho vontade de trabalhar com muita gente. Só que mais com a parte de produção, como o Emicida, Jaloo, Ivete Sangalo. Tenho vontade de estar mais perto de gente experiente e produzir de alguma forma.

DISCOGRAFIA: Em uma rápida pesquisa no google, é possível encontrar muitas comparações da sua sonoridade com a Marina Lima. O que você acha disso? Gosta da comparação? Tem vontade de gravar algo dela ou com ela?
Mahmundi: Então, eu acho que quando as pessoas começaram a falar isso – já tem até um tempo já, elas nem falam mais – era muito sobre uma questão da história do som ser muito pesquisado. Marina Lima usava muito sintetizador, tocava guitarra. E falava sobre o Rio de Janeiro, eu acho que é por isso. Eu adoro a Marina. Ela é incrível, única. E acho inclusive que essa mentalidade da comparação é meio ruim, você acaba deslegitimando alguém. Eu tenho vontade de gravar com ela e aprender. Acho que ela sabe muito e é super importante a gente aprender com artistas que a gente admira.

DISCOGRAFIA: Você começou a carreira cantando canções gospel, mas, segundo afirmou em algumas entrevistas, não abandonou por completo as referências religiosas. Qual é a sua relação hoje com a religião?
Mahmundi: Minha relação com a religião hoje está muito mais abrangente, muito mais feliz. Descobri que tem muita coisa que eu estava perdendo de vista por conta da religião. Acho que a figura de Jesus Cristo me soa como alguém muito inteligente, que realmente me ensina muito. Sempre que eu leio, que eu pesquiso. Mas, realmente, essa coisa da religião ficou um pouco para trás. Eu fico tentando nutrir esses elementos de fé, de esperança. Coisa que realmente são importantes. Eu vejo tudo isso de uma maneira mais ampla e não me atento tanto à religiosidade.

DISCOGRAFIA: Do tempo que você trabalhou como técnica de som no Circo Voador, o que mais te marcou? Qual a melhor história dessa época?
Mahmundi: Tiveram várias histórias no Circo Voador que me marcaram muito. Até a história da minha saída de lá me marcou muito. Era um show da Pitty, em 2010, uma gravação de DVD. Eu estava montando o palco todo com toda equipe, e já estava lá há sete anos, e foi quando eu decidi que também precisava ser uma cantora. Foi quando decidi que queria seguir essa carreira de artista também. Eu estava sendo inspirada por uma grande cantora que é a Pitty, uma menina que começou a cantar rock em uma época que não tinham tantas mulheres cantando rock. Então, foi nesse dia que eu decidi sair do Circo. E isso me marcou muito.

DISCOGRAFIA: Você é uma artista que conhece e domina muitas fases do processo para gravar e lançar um disco. Isso facilita ou dificulta o trabalho com outras pessoas?
Mahmundi: É, acabo dominando todas as fases do processo.  E o que eu estou cada vez mais tentando entender é como nutrir todo esse aprendizado com consciência atual. Acho que é o grande procedimento da coisa. É fazer com que isso se atualize. Mas do que entender de equipamentos, é saber qual a necessidade do som de hoje. Como construir minha assinatura, como participar do meu processo artístico. E a minha relação com as outras pessoas tem sido boa, você vai aprendendo a lidar com outros artistas, músicos novos, técnicos. É um mundo muito amplo que eu também estou me aventurando. E tem a ver com as relações, com pessoas, com decisões. como fazer um disco, se é o momento de tocar naquele assunto. O trabalho com outras pessoas facilita, a colaboração facilita. Hoje isso é mais importante do que saber de um assunto só.

DISCOGRAFIA: Você é apontada por muitos como uma das apostas desta geração. Isso te deixa com alguma sensação de responsabilidade? Muda algo na hora de pensar os próximos passos de sua carreira ou ela tocada de forma orgânica?
 Mahmundi: Eu não me sinto responsável. Eu já me senti muito responsável por muita informação que não era minha. A questão de ter que sobreviver, a questão de ter um disco, de ter que superar e vencer na vida. De trabalhar desde cedo. Então, se esse é um momento que eu faço isso como algo que eu realmente estou a fim de fazer, eu preciso ter sensibilidade, ter paz interior. Fazer isso sem essa responsabilidade. Eu acho que estamos aqui para aprender de todas as formas. Como pessoa, como profissional, como indivíduo, como alguém que se comunica. E quando a gente gera uma sensação de responsabilidade ou de controle, isso dificulta a comunicação com coisas que você pode aprender ou errar. Errar é uma situação que vai acontecer e a gente precisa ter força para entender que isso também faz parte. E essa coisa da responsabilidade coloca um peso que pode desfocar do processo. Eu me cobro como profissional para aprender e evoluir, não para me colocar à frente. Isso tem que ser natural, cada um aprende com o seu processo.

DISCOGRAFIA: No seu ponto de vista, qual é a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo? Qual o seu defeito principal? E sua maior qualidade?
Mahmundi: É difícil falar sobre defeitos e qualidades. São coisas muito complexas para responder assim. Talvez como profissional eu seja muito insistente e muito perfeccionista. Eu fico ali trabalhando aquilo e, às vezes, passa a hora. Esse perfeccionismo pode atrapalhar um pouco do processo. E minha qualidade como artista é perseverar numa ideia. E tentar enxergas as coisas de outra forma e fazer aquilo com alegria. E para o individuo, a coisa mais importante, é ter consciência de si. É ter consciência de quem ela é e do que faz, assim ela consegue mover o mundo. E perceber o que é bom para e para os outros de uma forma mais ampla. Autoconhecimento é importante porque você consegue lidar com as suas emoções.

DISCOGRAFIA: E de que outras linguagens da arte você é fã?  Teatro, literatura, dança? E como elas te influenciam? 
Mahmundi: Eu sou muito fã de teatro e literatura, de cinema. Eu acho que elas me inspiram muito para as imagens. Até as minhas letras vem muito disso, a capacidade de criar imagens. Sonhar com a praia quanto estava muito longe da praia. Várias ideias digitais, quando eu não tinha acesso a esses bancos de imagens. O “ver” me atiça bastante para compor.

DISCOGRAFIA: Quais sonhos você já realizou como artista? E quais ainda quer realizar?
Mahmundi: Muita coisa. Já realizei de ganhar prêmios, tocar em lugares que eu nunca imaginei tocar. Rodas de compositores de música popular, participar de palestras, fazer trilhas sonoras para marcas. Dar uma entrevista para um veículo maneiro, como o de vocês. Acho que isso tudo é uma realização enorme para mim. Você sempre imagina que tudo é mais difícil no Brasil e a gente está aqui falando e comunicando com gente de Fortaleza. Fazer isso ser real e poder falar do meu trabalho, isso é realizador. E para realizar, eu quero viajar o mundo. Comunicar com o mundo, servir as pessoas. Com o meu trabalho, minha produção. É o melhor que eu posso fazer. Música com qualidade, com história, com fé. Música para as pessoas se divertirem. Fazer parte do dia das pessoas e viajar pelo mundo. Acho que é isso.

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Mariana Amorim

Jornalista, apaixonada por comunicação e envolvida com música! Acha que uma bela canção pode mudar o mundo. Coleciona livros, discos de vinil, imãs de geladeira e blocos de anotação. Apaixonada pelos garotos de Liverpool e pelo rapaz latino-americano.

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