Foto: Ricardo Borges/ Divulgação

Por Camila Holanda 

Moraes Moreira fez do gostar pela literatura de cordel um ofício. Apesar de ser uma influência antiga, o cantor, compositor e músico passou a incorporar o gênero em seu trabalho musical e literário apenas ultimamente. Nos palcos, ao celebrar os anos de convivência e a parceria dos Novos Baianos, narrou e narra a história do grupo antológico, recitando versos que encantam o público.

O compositor também chegou a escrever o livro A História dos Novos Baianos e Outros Versos, em formato de cordel. Recentemente, o trabalho foi relançado e, logo depois, veio à tona o novo disco Ser Tão, em que Moraes, aos 71 anos de idade, reafirma sua afinidade pelo gênero e mostra como se renova após mais de cinco décadas de profissão.

Ocupante da cadeira de número 38 na Academia Brasileira da Literatura de Cordel, Moraes está fazendo uma passagem “de cantor para cantador”, como ele mesmo define na segunda faixa do novo disco. “E durante essa viagem/O tempo que é passador/Vai me dar uma guarida/E muitos anos de vida/Na cantoria do amor”, canta o trovador. Como pano de fundo para esta metamorfose de Moraes, o cordel se fortalece no País.

No último 19 de setembro, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu a literatura de cordel como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. “Poetas, declamadores, editores, ilustradores, desenhistas, artistas plásticos, xilogravadores, e folheteiros, como são conhecidos os vendedores de livros, já podem comemorar, pois agora a Literatura de Cordel é Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro”, anunciou o órgão. Uma demanda antiga se torna realidade, reconhecendo e resguardando o trabalho de centenas de brasileiros.

Apesar de ter começado no Norte e no Nordeste do País, contextualiza o Iphan em nota, o cordel hoje é disseminado por todo o Brasil, principalmente, por causa do processo de migração de populações. E Moraes explica um pouco dessa história em seu novo disco, na música Origem: “Cordel chegou, foi pra feira, mais tarde, pra academia”, narra, mostrando que a cultura popular outrora fadada à informalidade se consolida com o passar do tempo. O fortalecimento do estilo se arvora em importantes fatores, como a criação de uma Academia Brasileira da Literatura de Cordel (nos anos 1980), o reconhecimento pelo Iphan como patrimônio, os diversos eventos que se disseminam pelo País, além da resposta do mercado editorial, que tem publicado cada vez mais obras deste universo. O cordel deixa a pecha de ser considerado uma “arte menor”.

Nesta passagem de cantor para cantador, amadurecida em Ser Tão, o trovador Moraes Moreira defende o estilo, sem deixar de lado os ritmos que o tornaram ícone da música brasileira. No disco, além de assumir essa nova vertente – ora cantada, ora falada -, Moraes se entrelaça com outros estilos musicais, como o frevo, que aparece na última faixa do disco, intitulada Alvorada dos Setenta. Em O Nordestino do Século, o baiano narra a vida de Luiz Gonzaga e fala da importância do Rei do Baião como um “oráculo’, tudo isto ao som da sanfona de Rafael Meninão. A balada Amor e Arte é a que mais tem cara de hit no disco, sendo uma canção mais redonda, como o grande público de Moraes está acostumado. “Da minha e da sua parte/O todo se manifesta/Fazemos amor e arte/Nosso viver é uma festa”, canta o baiano, com a característica voz anasalada, acentuada com o passar do tempo.

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Em A História dos Novos Baianos, Moraes conta que, durante a passagem pelo grupo, dedicou-se exclusivamente à musicalidade, sendo cantor,compositor e instrumentista. A maior parte das letras musicadas por Moraes era assinada por Luiz Galvão. Mas isto não impediu que o músico desenvolvesse um trabalho em poesia. Pelo contrário. Desde a infância, de seu modo, o novo baiano sempre foi afeito aos versos, sabendo de cor poemas de Casemiro de Abreu, Olavo Bilac, Gonçalves Dias, Castro Alves e outros. O gostar foi ampliado na juventude, por influência do irmão poeta. E, agora, o cordel deixa de ser um flerte na trajetória de Moraes, que já conta mais de 50 anos. Ele assume os versos como caminho fundamental de seu itinerário.

Ser-tão
1a. Sambadô (Moraes Moreira)
1b. Deixa o Pé no Chão (Moraes Moreira)
2. De cantor pra cantador (Moraes Moreira)
3. Origens (Moraes Moreira)
4. I am the captain of my soul (Moraes Moreira)
5. Amor e arte (Moraes Moreira)
6. Evolução (Moraes Moreira)
7. O Nordestino do Século (Moraes Moreira)
8. Nas paradas (Armandinho/Moraes Moreira)
9. Alvorada dos Setenta (Moraes Moreira)

Moraes Moreira – Ser Tão
9 faixas
Discobertas
Preço médio: R$ 21,90

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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