Foram meses de tentativa até aqui. Desencontros de agenda, mensagens não respondidas, ligações não atendidas… Até que não teve mais jeito. Um show marcado para a próxima quinta-feira, 6, no Cineteatro São Luiz, deixou claro que uma conversa sobre Maraponga não poderia mais esperar. Lançado em 1978, o álbum que apresentou o compositor Ricardo Bezerra vai ganhar uma releitura com as participações do guitarrista Mimi Rocha, da cantora Mona Gadelha e da Orquestra Popular do Nordeste.

Conceitual, contemplativo, sinfônico, anti-pop. São muitos os rótulos para descrever Maraponga, que nasceu num período de durezas financeiras de Ricardo. “Era um período sem trabalho, com dois filhos, casado. E o Fagner me chamou pra fazer o disco. Na época, a ideia era dividir o álbum com o Petrúcio (Maia, cada um ocupando um lado do LP). Mas o Raimundo conseguiu uma verba e fez os dois”, lembra o cearense que, embora não estivesse planejando uma carreira artística, se viu dentro de um estúdio com gente como Hermeto Pascoal, Jaques Morelembaum, Mauro Senise, Sivuca, Robertinho de Recife e Nivaldo Ornelas.

Toda a história do disco gira em torno de um sítio onde Ricardo Bezerra morou, na década de 1970, com sua esposa, Bete Dias. “A casa era o ponto de encontro e o Fagner foi morar lá. Muito dessa mística se deve a ele. Nessa época, você imagina a quantidade de cantor, jogador de futebol, compositor, músico que passou por lá. O que se desenvolveu foi um clima de vizinhança muito criativa”, conta Ricardo elencando algumas visitas que recebeu: Alceu Valença, Belchior, Zé Ramalho, Rita Lee, Amelinha, Roberto de Carvalho, Rodger Rogério, Gonzaguinha e muitos outros.

Em meio aos convidados mais estrelados, estavam também muitos anônimos que chegavam, batiam palmas, perguntavam onde era a casa do Ricardo e da Bete, e ficavam ali uns dias. “E nunca teve um problema”, afirma o dono da casa que deixou seu disco ser embebido nessa aura de liberdade hippie. O retrato de uma cidade com menos trânsito, menos pressa, menos violência é feito com um álbum que misturas peças orquestradas com canções populares. Estão nele, por exemplo, clássicos cearenses como La Condessa (com voz de Amelinha); Cavalo Ferro, que ganhou interpretações de nomes como Quarteto em Cy, Elis Regina e Sandra Sá; e Cobra, estreia em disco da dupla de compositores Alano Freitas e Estelio Valle.

“Aquilo é muito um trabalho da produção do Fagner, com os músicos que ele chamou, e o trabalho do Hermeto. Eu dei pouco palpite”, admite Ricardo que se viu numa encruzilhada quando estava com o álbum pronto. Já tendo visto a experiências dos amigos que tinham ido para o Sudeste em busca de uma carreira artística, ele titubeou sobre entrar nessa também. “O Fagner fez isso comigo, Cirino, Petrúcio, esperando que a gente desenvolvesse a carreira artística. O Petrucio continuou. O Cirino continuou, depois voltou. Mas eu, logo após acabado o disco, estava sozinho no Rio, a Bete já tinha voltado com nosso filho. Aí bateu uma saudade enorme”, lembra ele, que deu a notícia a Fagner, estremecendo ali a amizade.

Maraponga ganhou uma breve turnê na época que passou por Crato, Campina Grande, Natal e Fortaleza. A bordo de um fusca, ele viajou acompanhado de Cirino, do flautista Renato das Neves e de Pachelly Jamacaru. Sem dinheiro ou estrutura, mal acabou a série de shows, Ricardo foi em busca de outra ocupação, optou pela universidade e foi dar aulas no curso de Arquitetura. “Pra dizer isso pro Raimundo foi um pouco doloroso. Eu sei que ele se ressentiu e com toda a razão. Hoje, a gente se entende, estamos bem. Tem toda a compreensão de porque eu fiz aquilo, optei pela família”, afirma com uma dose de nostalgia.

Responsáveis pela releitura do álbum Maraponga, que será apresentada nesta quinta-feira no São Luiz, Ricardo Bezerra, Pedra Madeira (Orquestra Popular do Nordeste) e Mona Gadelha

Embora Ricardo Bezerra não lembre a última vez em que ouviu o próprio disco, é certo que aquele clima de calmaria dos anos de Maraponga ainda estão guardados em algum lugar. “O importante foi essa troca de energia criativa que aconteceu na Maraponga nessa época. A ideia (do show) é a gente por foco nesse acontecimento, no local, no bairro, na casa, na movimentação de pessoas, da coisa criativa envolta disso. Aconteceu isso e eu e a Bete estávamos ali por acaso, por que era a nossa casa. Mas tem toda uma coisa de dezenas de pessoas que foram importantes, que fizeram essa história”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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