Gilberto Gil e Nando Reis (Todas as fotos: Mateus Dantas)

O semblante tranquilo e a voz compassada de Gilberto Gil não se alteram diante da expectativa grande pelo seu show de logo mais. Os mais de 50 anos de carreira ajudam a valorizar a apresentação que aconteceria na segunda noite do I’Music, pequeno festival de música realizado de sexta, 18, a domingo, 20, no estacionamento do shopping Iguatemi. E, não por acaso, foi justamente o “tempo” o tema que abriu a breve conversa com o mestre baiano, minutos antes da passagem de som. “Tem um lado que é surpreendente (sobre a expectativa do público). Mas hoje em dia em dia também a longevidade dos artistas é uma coisa já bem comum. As pessoas estão vivendo mais, os artistas mais ainda”.

Depois de uma noite com a cantora Ludmilla, o rapper Hungria e Dennis DJ, a segunda noite abriu com a Blitz relembrando sucessos que marcaram os anos 1980. Gil subiu em seguida e abriu a apresentação com Palco, uma celebração àquele espaço sagrado que ele conhece também. Com cerca de 1 hora e 40 minutos, a apresentação foi marcada por grandes canções e problemas de som. Na primeira metade do show, a voz de Gil estava inaudível, assim como o violão. Demorou, mas aos poucos a qualidade foi melhorando tanto em volume quanto em qualidade. Ainda assim, era impossível não se encantar com Esperando na Janela, Não chore mais, Nos barracos da cidade, Is This Love e Tocarte, que contou com a participação de Nando Reis.

Aos 76 anos, Gil permanece dono do seu palco. Passado mais de um ano desde que ficou internado para tratar de problemas renais e de hipertensão, o músico voltou a se mostrar disposto a cantar e tocar com uma disposição invejável. “Estou bem. Os médicos ajudaram, xangô ajudou, eu também me ajudei bastante e estamos vivendo hoje uma situação de saúde controlada. Me sinto bem, tomo alguns remédios”, comenta sem sobressaltos ele que dedicou seu último disco – Ok Ok Ok, de 2018 – a falar da experiência e da passagem do tempo. “Uma das coisas muito claras na consciência dos humanos é a finitude e o desaparecimento. E como ninguém fica pra semente, a não ser que você tenha um acidente, uma coisa mais prematura, as pessoas envelhecem. E o envelhecimento é uma aproximação com a finitude”, segue Gil sem, em momento algum, demonstrar medo sobre essa finitude. “Então meu tempo hoje é assim, de aproveitar o tempo que me resta na vida basicamente com os afetos profundos, a mulher, os filhos, os netos, a bisneta, a família, os amigos mais próximos e todo mundo em geral. Aí cuidar da saúde, do bem estar mínimo são as preocupações básicas. Eu leio muito hoje em dia, mais do que lia no passado. Toco violão tanto quanto eu tocava antes. Talvez até mais. Esse vício não passou até hoje”, revela antes de uma risada.

A finitude foi a chance de falar de dois amigos de Gil. Uma delas é Elis Regina (1945 – 1982), amiga com quem ele dividiu muitas histórias na época dos festivais e que teve sua vida retratada em recente série de TV. “Ainda não vi a série, mas vi o filme e vejo sempre tudo que diz respeito a ela porque era uma grande artista e uma grande amiga. Uma pessoa muito intensa. Ela mandava em mim e tudo que ela mandava eu fazia, eu obedecia. Eu a adorava”. O outro amigo é o baixista Arthur Maia, falecido em dezembro último vitimado por uma parada cardíaca, aos 56 anos. “Hoje é relativamente prematuro, mas ele também viveu tão intensamente com a música, os afetos, os amores e as amizades que também não é uma coisa da gente lamentar por ele. É uma coisa que a gente lamenta mais por nós mesmo que o perdemos. Ele ainda tinha muito tempo pra viver. Mas o que viveu viveu de uma forma muito intensa, muito completa”, comenta Gil.

O I’Music ainda teve apresentações de Nando Reis, velho conhecido de Fortaleza que comandou a plateia com maestria e emocionou a cantar sua recente Rock’n’roll, repleta de mensagens políticas. Por fim, Lulu Santos abriu seu baú de hits e mandou a plateia pra casa cheia de energia. O domingo abriu com Cidade Negra já deixando claro que a qualidade do som estava bem melhor (apesar do pouco volume). Os cariocas apostaram nos hits e ainda homenagearam ícones do reggae como Natiruts, Bob Marley e Gilberto Gil. Em seguida, o Biquini Cavadão misturou sucessos com músicas mais recentes e o recente tributo a Herbert Vianna, lançado no ano passado. Teve ainda fã cantando no palco e Bruno Gouveia pulando para o meio da plateia. Pra encerrar, a noite e o I’Music, o Capital Inicial não parava de se emocionar com a volta a Fortaleza e agradecer ao público pela recepção. O carismático Dinho Ouro Preto lembrou os bons tempos de Ceará Music e parecia se divertir tanto quanto quem estava à sua frente.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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