No final dos anos 1980, uma voz chamou a atenção dos brasileiros pela forma original com que interpretou um clássico internacional. Sucesso da banda nova-iorquina The Mamas & The Papas, California Dreamin’ perdeu seu ritmo rock sessentista pra ganhar um acento jazzístico sofisticado e intimista. A dona da voz que parecia derramar pelas caixas de som era uma experiente cantora mineira, que viu ali o ponto alto da sua popularidade. Curiosamente, Rosa Maria foi convidada por Zé Rodrix para regravar apenas 30 segundos da canção para um comercial. Mas o tratamento luxuoso dado à versão levou a cantora de volta aos estúdios – 15 dias depois – para gravar a faixa completa e, em seguida, um disco com várias regravações de clássicos internacionais.

O que sucedeu a isso não permitiu o voo que se anunciava para Rosa Maria. Depois de ser acometida por uma brida intestinal, seguido de um erro médico, ela passou 40 dias em coma e teve que interromper a carreira por um longo tempo. A retomada veio com convites esporádicos, shows pelo Brasil e discos gravados por selos pequenos, sendo o último deles Harlen (2000), dividido com o coral da LBV. Depois de 18 anos, ela volta com Rosa, lançado no fim de 2018 pelo selo paulistano Nova Estação. Produzido por Rosa Maria e LC Varella, com produção executiva de Thiago Marques Luiz, o álbum realça a veia jazzística sofisticada da artista de 73 anos em canções que vão de Taiguara a Legião Urbana.

Foto: Armando Paiva/ Divulgação

“Se ficar sem cantar eu morro. Mas fiquei esse tempo todo sem gravar por covardia mesmo. Agora sem gravadoras, as pessoas dando atenção a coisas sem qualidade, fiquei sem gravar mesmo. De repente decidi investir em mim”, afirma. A cantora nascida Rosa Maria Batista de Souza em Machado (MG), que passou a assinar como Rosa Marya Colin no fim dos anos 1990, assume que está cansada de boa parte dos trâmites do mercado musical e que este pode ser seu último disco. “De repente nem sei se é o último. Pode ser que eu tenha tomado gosto”, revê.

Último ou não, ela foi em busca de canções que tinha guardado há um tempo e reuniu em Rosa. É o caso de É por você que eu vivo, sua primeira e única parceria com Tim Maia. “Fez antes de sair do Brasil e passei para o Tim harmonizar, já que eu não toco instrumento nenhum. Quando voltei, ele tinha gravado e eu fiquei muito feliz”, conta ela que também registrou Giz, canção da Legião Urbana lançada no disco O descobrimento do Brasil (1993). “Um ano depois que o Renato (Russo) faleceu, fui convidada pra fazer um show em homenagem a ele com vários cantores. Não sei quem foi que me destinou a cantar essa música, mas eu me apaixonei. Depois eu soube que era a música preferida do Renato”. Uma curiosidade do repertório de Rosa é Eu canto esse Blues, uma parceria do sambista Arlindo Cruz com Rogê e Gabriel Moura. “Um dia encontrei com o Arlindo num programa de TV e ele disse que tinha um blues pra mim, mas nunca entregou. Quando comecei o trabalho com esse disco, um técnico disse que estava com o Arlindo no estúdio e eu cobrei o blues dele. Ele me disse que agora era um blueseiro”.

Completando o repertório de Rosa estão as 10 faixas de Vagando, álbum lançado em 1980 pela gravadora Eldorado. Longe do canto jazzístico, o álbum traz o lado MPB da  intérprete em canções de Paulinho Pedra Azul (Vagando), Djavan (Romeiros), Fátima Guedes (Dancing Cassino), Humberto Teixeira (Kalu) e outros. “Foi uma ideia, que já vem de um tempo, que o Thiago (Marques) e o Zé Pedro tiveram há um tempo atrás de relançar esse disco. Eu gosto do disco e até acho que eles se completam. Os dois são românticos. No Rosa eu tenho uma leveza e uma dose de ironia, mas no Vagando estou mais séria”, compara.

Rosa Marya Colin fala do futuro sem saudosismo ou mágoas. A artista que começou cantando música americana na TV, fez história no Beco das Garrafas (onde conheceu Wilson Simonal, que assina a apresentação do seu disco de estreia Uma Rosa com Bossa, 1965), fez fama em palcos europeus e norte-americanos (chegando a arrancar elogios do New York Times) e tornou-se uma voz referência do jazz no Brasil só não aceita bem a fama de elitista. “Eu vou fazer o que? Desde o começo da carreira me definem como elitista. Pois eu sou elitista então”, encerra apontando para o futuro sem querer fazer apostas. “Com esse negócio que aconteceu, eu vivo cada dia intensamente. O plano que eu faço é, depois de morrer, quero partir dessa para melhor. Agora, o que eu vou fazer amanhã não me interessa”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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