Foto: Victor Kobayashi/ Divulgação

Falar nos nomes de Flora Purim e Airto Moreira desperta diferentes reações. Há quem diga “ok” e siga em frente por completo desconhecimento. Há quem jogue aquele olhar de “já ouvi falar, mas não sei quem é”. E há quem arregale os olhos de espanto e se desmanche em elogios. Eles mesmos devem estar acostumados com essa diversidade de opiniões. Brasileiros de nascença, eles passaram quase a vida inteira no exterior, dividindo palcos e estúdios com os mais renomados nomes do jazz internacional. Até que chegou o momento em que eles também faziam parte desse seleto grupo de artistas.

Numa breve (muito breve) apresentação, Flora Purim é carioca, começou a cantar no Beco das Garrafas e, em 1964, lançou seu disco de estreia (Flora é Música Popular Moderna), influenciada pela bossa nova. Airto Moreira é um percussionista catarinense, de Itaiópolis, que, entre seus trabalhos mais reconhecidos está o Quarteto Novo, dividido com Hermeto Pascoal, Teo de Barros e Heraldo do Monte, que acompanhou Edu Lobo e Marília Medalha na apresentação de Ponteio no III Festival de Música Popular Brasileira (1967). Diante do endurecimento da ditadura militar, a censura mais grosseira e dificuldade para fazer música, deixaram o Brasil no fim dos anos 1060 e se mandaram para os Estados Unidos.

Por lá, Flora e Airto se embrenharam no meio da nata do jazz e desenvolveram juntos um som único que já rendeu indicações ao Grammy e uma pá de premiações e elogios de revistas especializadas, como a Downbeat – que já apontou Flora como melhor cantora de jazz várias vezes. Com uma extensa agenda de apresentações na Europa e América do Norte no segundo semestre, eles estão – temporariamente – de volta ao Brasil, radicados em Curitiba. É de lá que a cantora de 77 anos conversou com o Vida&Arte. “Um dos motivos que fez a gente decidir ficar aqui é que as pessoas nos reconhecem, param na rua e vêm pedir autógrafo. Eles vêm com vários vinis pra gente autografar. Não sabia que tinha muita gente assim que conhecia a gente. Pra mim é tudo muito novo”, comenta Flora que sobe ao palco do Cineteatro São Luiz, neste domingo, 7, para única apresentação ao lado dos músicos José Neto (guitarra), Mauro Martins (bateria), Alex Correa (piano), Thiago Espírito Santo (baixo) e Raphael Silva (sax), além do marido Airto (percussão).

Flora Purim não lembra a última vez que esteve em Fortaleza, mas está empolgada de voltar a fazer trabalhos no Brasil. Além de Aluê (2017), disco lançado por Airto, ela também está às voltas com um novo trabalho, batizado de Flora Brasileira. “Parei de cantar há uns cinco anos e vim pra cá fazer uma introspecção, ver como eu podia me renovar. Um produtor sugeriu de fazer esse disco, só com músicas brasileiras inéditas. Caiu do céu”, celebra adiantando o disco terá canções de Almir Sater, Filó Machado, Jair de Oliveira, Toninho Horta e outros. Este último também estará presente no repertório deste domingo, com Viver de Amor, junto com Geraldo Vandré (Fica Mal com Deus), duas de Chick Corea (You are everything e Windows) e outras.

O pianista de Chick Corea é um dos muitos parceiros que atravessaram a vida de Flora e Airto ao longo de mais de 50 anos de carreira internacional. “A gente ajudou a formar o primeiro grupo dele. Ele tinha umas ideias, mas não tinha dinheiro. Chamou Carmen McRae, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Nancy Wilson… Como não era bebop, elas não quiseram arriscar”, lembra Flora que topou o convite e ajudou a fundar a banda Return to Forever, marcada pelos vocais cheios de improviso da brasileira. “No começo, as músicas não tinham letras. Então eu era mais um instrumento. As músicas só foram ter letra no segundo disco, Light as a Feather (1972), que é até uma letra minha”.

“Eu me inspirei muito no movimento daquela época, do Menescal, Carlos Lyra, Novos Baianos. Mas eu não queria entrar na tropicália, eu queria inventar uma coisa que não fosse bossa nova, fosse jazz. Já me encaminhei para o jazz, mas eu não conhecia o metiêr. Hoje eu tenho contato com vários músicos da pesada”, conta ela que também agradece ao trompestista Dizzy Gillespie. “Um dos que mais me ensinou foi o Dizzi. Fiquei dois anos trabalhando com ele e ele me ensinou muita coisa”, lembra. A certeza de que o caminho era o jazz também estava na cabeça de Airto Moreira. No exterior, ele também construiu uma carreira volumosa em prêmios, gravações e shows solo ou acompanhando gente como Miles Davis, Paul Simon, Quincy Jones e Herbie Hancock. No entanto, nenhuma parceria de Airto pode ser tão prolífica quanto com Flora. “Às vezes vêm trabalhos só pra mim e outros só pra ele. Mas a verdade é que falou em Airto, já perguntam ‘e a Flora, está legal?’. E vamos assim até o fim da vida”.

Apesar dos mais de 50 anos morando nos EUA e da grande fatia dos seus fãs estarem no exterior, Flora e Airto não abrem mão do Brasil nem na vida, nem no trabalho. “Americanos nunca vamos ser, apesar de termos toda a documentação. Airton nunca quis ser americano, nunca quis ter passaporte americano. Na época que a gente saiu daqui, era ditadura militar. Tudo censurado, eu tinha 22 anos, não ia ficar aqui”, critica ela que volta ao Brasil num período em que a ditadura volta a ser assunto no País. “O mundo mudou muito, a política está um caos, mas acho que a música pode passar uma mensagem. E eu quero botar a minha voz no mundo. Isso me preocupa demais. Mas um dos motivos que dessa vez eu não vou sair é que eu sei que tenho força de fazer o povo feliz”.

Show Flora Purim e Airto Moreira
Quando: domingo, 7, às 18 horas
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 – Centro)
Quanto: R$20 (inteira) e R$ 10 (meia). À venda no site Tudus e no local
Classificação indicativa: livre
Telefone: 3252 4138

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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