Um elegante e imponente jovem, de violão em punho, encarando a lente. Um homem bigodudo, de sunga, cabelos desgrenhados com uma garrafa na mão. Acendendo um cigarro, deitado numa rede, cercado de amigos, rindo despretensiosamente. Cenas corriqueiras que qualquer um pode ter registrado em fotos. Pesquisando o próprio acervo, muitos podem se reconhecer nas imagens sugeridas acima. Mas, quando o personagem em questão é Chico Buarque de Holanda essas imagens tomam outro vulto.

Das brincadeiras em família a eventos públicos e espetáculos lotados, a vida de Chico foi registrada em inúmeras fotos. Uma pequena parte dela foi reunida na fotobiografia Revela-te, Chico. Pequena por que são apenas 210 imagens selecionadas entre uma vastidão produzida em mais de 50 anos de carreira. Segundo o organizador do livro, o jornalista e designer Augusto Lins Soares, foram 20 mil fotografias garimpadas nos mais diversos acervos, no Brasil e no exterior, até chegar à seleção final.

Arquiteto formado pela Federal de Pernambuco e designer com passagens por revistas como Bravo!, Superinteressante e Casa Vogue, Augusto não chegou a ter contato com seu biografado, mas teve sua autorização para tocar o trabalho. Diferente das biografias, que não precisam de autorização do biografado, as fotobiografias exigem uma liberação dos direitos de imagem. “Ele achou o projeto interessante e deu a licença de uso de imagem. A preocupação do Chico é se ele teria que se envolver”, conta o autor que deixou claro que não seria produzida nenhuma imagem nova para o livro.

Chico em ensaio feito para a revista Realidade sobre a “nova geração da MPB”

Acompanhada por textos do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, do O Globo, Revela-te, Chico cobre desde a infância do compositor carioca até a mais recente turnê. “Sorte minha que, no meio do ano (2017), eles anunciaram o novo disco, o Caravanas. É legal por que a gente teve um projeto novo dele pra fechar o livro, já que a turnê foi até setembro de 2018”, explica Augusto que dividiu o livro em três blocos: fotografias, linha do tempo e artistas contemporâneos retratando o Chico. Para essa última parte, foram convidados 21 artistas plásticos para criarem obras inéditas inspiradas no autor de Construção e A Banda. J. Borges, Paulo Bruscky, Regina Parra e Mariana Riera estão entre os convidados. Numa licença poética, Di Cavalcanti (1897 – 1976) abre essa sessão do livro com um óleo sobre tela pintado em 1972, dada a Chico e nunca divulgada para o público.

Na primeira parte, mais de 50 fotógrafos são creditados em registros inéditos do homem, do intelectual, do boêmio, do pai, do marido, dos muitos Chicos. Entre elas, um pequeno Chico, com cerca de 7 anos, pronto para a Primeira Comunhão, e o registro da delegacia que o prendeu, aos 17, por furtar um carro. Tendo que viajar muito por conta do trabalho do pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, tem fotos dele criança estudando em Roma (comportado, de paletó) e em São Paulo (imitando o demônio para o professor padre). De 1961, Chico no Colégio Santa Cruz cantando ao lado de Marília Medalha, ambos dando os primeiros passos na vida artística.

Chico em seu apartamento em Paris

E, claro, é quando essa vida artística se desenvolve que a vida de Chico Buarque se engrandece e o livro se torna mais saboroso. “Comparativamente, nos primeiros anos de carreira ele foi muito mais fotografado por que a produção era bem maior”, justifica Augusto. Dessa fase, tem uma raríssima foto de 1965, quando o compositor viajou para o Festival de Teatro Universitário em Nancy, na França, acompanhando o elenco de Morte e Vida Severina, com texto de João Cabral de Melo Neto musicado por Chico. Augusto Lins até encontrou uma foto do músico em cena, mas não pode incluir por questões de direito. “Essa foto dele em cena, eu consegui através de uma colecionadora francesa que tinha os direitos de imagens do fotógrafo que cobriu o evento todo. Terminei abrindo mão da imagem e conseguiu achar uma em São Paulo”, comenta o organizador se referindo à imagem do elenco, no Galeão, a caminho da Europa.

Chico e Clementina de Jesus no “Woodstock brasileiro”

Mais adiante, muitos encontros marcam a vida do compositor de Calabar e Ópera do Malandro. Ele com a irmã Miúcha e o então cunhado João Gilberto tocando violão. Com Jair Rodrigues no Festival da Record, 1966. Com Vinicius de Moraes e Tom Jobim, na casa e Manuel Bandeira. Com Gilberto Gil nos bastidores do Phono 73 (quando foram censurados na apresentação de Cálice). Com Milton Nascimento e Clementina de Jesus no Show do Paraíso (1977), considerado o “Woodstock Brasileiro”. Como crítico e cronista de sua época, tem ainda Chico na campanha “Diretas Já”; recebendo um abraço de Fidel Castro; e numa passeata, no Rio de Janeiro, em protesto pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, em 2018.

Para Augusto Lins o mais interessante desse perfil caleidoscópico apresentado em Revela-te, Chico está na atemporalidade do personagem. “O Chico seduz várias gerações. No ato da Marielle, por exemplo, ele foi fotografado por um garoto de 22 anos”, acrescenta destacando o que de mais curioso se revelou para ele após o trabalho. Não chega a ser uma revelação, mas uma constatação. “O Chico tem uma história muito coerente. Pode até ter mudado um pouco, mas ele é muito linear. Ele não quis se ligar ao bom mocismo e começou a fazer música de protesto, por que a época estava pedindo. E ele se deixa fotografar ao natural, é muito sorridente. É interessante que ele não é sisudo, não é sério. É reservado, mas não quer dizer que ele é sério”.

Revela-te, Chico
Organização de Augusto Lins Soares com textos de Joaquim Ferreira dos Santos
Bem-Te-vi Produções Literárias
240 pág.
Quanto: R$145

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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