Fotos: Salvina Lobo/ Divulgação

No história do rock brasileiro, cada década revelou algum artista que serviu de farol para sua geração, de modo geral, gerando cópias bem ou mal sucedidas. Fazendo uma seleção bem resumida de exemplos, nos 1960 tivemos Roberto e Erasmo Carlos. Nos 1970, Raul Seixas e Rita Lee. Nos 1980, Renato Russo. Nos 1990, Los Hermanos. Nos anos 2000, o rock nacional foi perdendo força e ganhando ares de resistência nas mãos de bandas que tocam para públicos quase sempre pequenos, mas bastante fieis.

Essa resistência é válida, mas quero sugerir um nome para servir de inspiração para os jovens (ou não jovens) compositores. Martim Bernardes, ou somente Tim Bernardes, é guitarrista, pianista, frontleader e principal compositor da banda O Terno. Ele esteve no fim de semana passado em Fortaleza para duas apresentações diferentes, embora igualmente sedutoras e com emoções bem próximas. Realizados no Theatro José de Alencar, na sexta-feira, 14, ele apresentou o show solo do disco Recomeçar e no sábado, 15, reuniu a banda para mostrar o disco Atrás/Além.

A qualidade das duas apresentações, ao mesmo tempo sofisticadas e de fácil assimilação, era tanta que nem sei por onde começar. Tentemos pelo começo, pelo show solo. Cercado de duas guitarras, um piano, alguma parafernália técnica e muitas luzes, Tim Bernardes avisou que a ideia do show era transportar para o palco o clima de quando ele tocava aquelas canções no quarto. A frase é clichê, mas soou bem sincera na voz do paulistano. De fato ele parecia bem à vontade ao desfilar aquelas melodias cheias de melancolia, tristeza e esperança pálida que emolduravam versos igualmente agridoces.

Sim, Tim Bernardes parece ser um jovem compositor que encontrou na música um lugar para escoar suas angústias. Mas ele tem uma medida poética muito bem calculada e, apesar da solidão do quarto/palco e do ritmo lento das canções, em momento nenhum ele deixa o show cair. E como se não bastasse ser um letrista de excelente qualidade, ainda toca guitarra danada, canta pra cacete e faz miséria no piano.

Não bastasse isso tudo, a iluminação do show torna tudo maior, mais enfático, teatral. Na sexta-feira, o repertório do Recomeçar era o guia, mas teve espaço para algumas dO Terno além de homenagens ao recente parceiro Jards Macalé (Soluços), Gilberto Gil (Exotérico e Luzia Luluza) e uma junção de Black Sabbath (Changes) com Belchior (Paralelas). Tim Bernardes sabe colocar verdade no que diz, apesar do jeito moleque que parece querer disfarçar alguma timidez. Soubesse você ou não cantar aquelas canções (eu não sabia), era grande a chance de você se deixar levar por aquela voz.

No sábado, o show dO Terno parecia uma extensão do Recomeçar. Até certo ponto é. A iluminação usa as mesmas ideias, sendo igualmente um destaque. A melancolia também foi fazendo parte do repertório da banda a cada disco e encontrou um boa medida em Atrás/Além. No entanto, O Terno é bem mais que “a banda de Tim Bernardes“. E isso já fica claro na formação do palco, quando eles parecem tocar um para o outro. Um dos momentos mais sublimes, inclusive, é a hora de apresentar a banda. Tim apresenta o baterista Gabriel Basile, que apresenta o baixista Guilherme D’Almeida, que apresenta Tim. A propósito, o longo discurso de Tim para falar do seu amigo “Biel” Basile foi hilário pelo volume de elogios e sinceridade. Acho que ninguém está preparado pra ouvir tanta sinceridade. Ficou difícil para o próximo superar tanto carinho.

Não é muito difícil reconhecer as influências dO Terno. Usando aquela linha evolutiva do primeiro parágrafo, eles beberam muito na fonte da Jovem Guarda para o primeiro disco, mas sem soar como cover. A guitarra de Tim Bernardes e o bom humor das composições, em muitos momentos, faz lembrar Mutantes, seus conterrâneos. Entre Renato Russo e Los Hermanos, o Terno se aproxima mais desses últimos. É bem claro que algumas ideias vieram do quarteto carioca, mas os paulistanos têm suas vantagens.

Numa comparação muito covarde entre Los Hermanos e O Terno, Tim Bernardes e seus parceiros saem ganhando em, pelo menos, dois quesitos. A disposição de misturar elementos do rock (jovem guarda, psicodelia, progressivo, blues…) com outros ritmos (samba, ska, fox trote…) era uma marca forte dos Hermanos pós-Bloco do Eu Sozinho, mas isso soa bem menos pretensioso com o Terno. Se os cariocas queriam entrar para o seleto time da MPB, os paulistanos entraram sem fazer muito esforço. O segundo quesito é a interação entre os músicos. Não tardou para que os hermanos começassem a competir em genialidade, enquanto o Terno, apesar dos 10 anos tocando juntos, ainda parecem equilibrar seus papeis dentro da banda e dividir suas funções.

Um das mostras disso está em Bielzinho, Bielzinho. O afoxé em homenagem ao baterista Biel Basile foi um dos muitos momentos sublimes do show do sábado. E a todo momento eles celebravam a casa cheia e as muitas palmas da plateia que não resistiu e, no meio do espetáculo, se levantou para aplaudir de pé. Entre momentos de escuridão total e de uma imensa luz amarela que explodia no rosto do público, tudo correu com perfeição ao longo de duas horas de show. Mesmo reproduzindo os arranjos originais dos discos (incluindo samplers de cordas, vocais e outros sons), as canções ganharam volume sonoro e de empolgação ao vivo. E, Tim Bernardes, como um maestro daquele espetáculo, sorria, se divertia e mandava ver nos seus instrumentos.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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