Foto: Marcos Hermes/AFP

Por Richell Martins, jornalista – 6 de julho de 2019
(* trecho de ‘Matita Perê’, Tom Jobim / Paulo César Pinheiro)

Mais um, entre os nordestinos que revolucionaram a música do mundo, se foi. Era uma vez, João, o João de Juazeiro.

A sanfona de Luiz Gonzaga rasgava o Brasil, com baiões, xaxados e folias, e os cabelos brancos de Dorival Caymmi levavam a Bahia a passear pelo mundo, quando o coração de muita gente parou para ouvir, pela primeira vez, o compasso do violão do João, em ré menor, após duas notas de trombone. E só voltou a bater depois da última nota de “Chega de Saudade” (Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes).

Era a estreia do maior violão da Bossa Nova, em todos os tempos. 1958.

Menos de um ano depois, vinha a segunda parte da receita: o manual prático e sonoro de como cantar Bossa Nova, na voz do baiano, e a lição era também “Chega de Saudade”. João ficou calado, tanto tempo, guardado, empoleirado em edifícios do Rio de Janeiro, que quase nos esquecemos de que ele ainda estava por aqui. Tão mais estranhas histórias que as que contávamos sobre Belchior espalhavam-se, muito sem propósito, enquanto a próxima notícia sobre guerras judiciais não era publicada.

Em 2011, juntei-me ao Marcos Sampaio para escrevermos um livro sobre João Gilberto, que estava com turnê de shows marcada para várias capitais brasileiras. Já era tamanha a incerteza de João nos palcos que organizamo-nos para sair de Fortaleza e garantir que testemunhássemos uma dessas apresentações, na extinta casa de shows Via Funchal, em São Paulo. Mobilizamos contatos, na capital paulista, para a compra de ingressos; mobilizamos família, aqui, para o pagamento das passagens aéreas. Tudo certo, vamos nós, ver de perto a maior entidade viva da Bossa Nova. João cancelou a turnê, por uma gripe. As próprias empresas realizadoras do evento, surpresas, souberam disso através da imprensa. Movimento reverso: ressarcimento pelos caros ingressos; cancelamento das passagens aéreas, com taxas inoportunas; e agradecimentos amarelados a quem nos deu essa força.

Enterramos um livro que nem nasceu e ficamos à espera, por 8 anos, pela retomada da turnê.

De repente, acabou-se João.

Como as seis cordas e a batida diferente, que explodiram a cabeça dos músicos do mundo, decidiram subir o elevador, entrar pela porta e garantir as trancas, com o lado de fora cheio de ouvidos famintos? É sombra sobre o jardim das rosas. Não há respostas sobre um João e um violão, a cantar para suas paredes – talvez, a plateia favorita, de tão silenciosa e atenta. Não há respostas para as perguntas que já dormiram, após sinais de despedida.

João saiu do interior da Bahia para engolir o Rio de Janeiro e ser reverenciado, em todo palco, dentro e fora do Brasil. João largou o mundo, já eleito entidade maior, antes mesmo de partir – a Música o canonizou. Subverteu autoridades, ensinou aos mestres, atraiu mulheres, fissurou amizades, surpreendeu o futuro e, por ser só futuro, negou-lhe a presença. Por sete caminhos de setenta sortes, setecentas vidas e sete mil mortes, esse um, João, João.

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Mariana Amorim

Jornalista, apaixonada por comunicação e envolvida com música! Acha que uma bela canção pode mudar o mundo. Coleciona livros, discos de vinil, imãs de geladeira e blocos de anotação. Apaixonada pelos garotos de Liverpool e pelo rapaz latino-americano.

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