Marco Ribeiro, artista plástico

Por Hamilton Nogueira

Sol a pino. Um calor de rachar. O asfalto em brasa reverberava sono, lentidão e apatia. Dez e pouco da manhã. Um deserto de emoções. Raros sons de um carro longínquo, meio borrado, que demorava a chegar. Chegava. Chegava e passava. Fui diminuindo ritmo. Fui “quebrando” como se diz na gíria dos corredores. Enfim quebrei e comecei a caminhar.

Apatia. Vou usar essa palavra outras vezes apesar de não ser recomendado para quem escreve textos. A estrada já não tão nova que dá acesso ao litoral da Caucaia era parte do “Cabra da Peste e Mulher Guerreira” – prova de triathlon. Eu estava ali para cobrir a prova como colunista de esporte-corrida do O POVO. Era 2011. Aproveitei pra correr, fazer meu treino, sentir na pele e escrever a respeito. Não deu. Apatia. Sol forte. Escondi-me então numa réstia ínfima de sombra resultante de um poste esquálido e aguardei… Apatia… Nenhum socorro por cerca de uma hora. Apatia, sonolência.

Eis que o socorro chega. Um corredor com o qual conversei algumas vezes durantes as corridas: Marco Ribeiro, então diretor de arte e designer de uma empresa de publicidade. Taciturno. Intransponível. Concentrado. Pouca interação. Vesti-me de jornalista “importante” e aceitei o socorro, até porque não tinha outro jeito. A apatia se transformou em boas conversas, que não pararam até esse 2019 em que estamos.

Obra de Marco Ribeiro

Anos depois acompanhei a mudança de designer para artista plástico que sofrera Marco Aurélio. Marco é baiano de Guanambi, porém cearense de criação. Aqui casou-se com uma professora da UFC, Lívia Mesquita. Por ocasião de um curso de pós-graduação dela, moraram em Veneza durante um ano, onde ele pode mergulhar nas suas próprias criações, estudos de estéticas, observações, maturações para desenvolver e materializar em gravuras, entre outras coisas, definições de tempo.

Embora o trabalho sobre tempo seja mais antigo é perceptível uma maior clareza no artista a respeito da expressividade sobre as obras. O que quer, como quer, a infinidade provável do assunto tempo dentro da vida, a finitude de cada obra, processo criativo, caminhos percorridos, frustrações e realizações com resultados. Marco, que se considera “geômetra” tatuou uma simples, mas não simplória, linha no antebraço. Não simplória porque descobre-se que a linha não é linha, mas na verdade, um “ponto que caminhou”.

Encontrei Marco Aurélio em um restaurante de Fortaleza numa quarta-feira. “Eu acho a geometria muito mais difícil que o figurativo. Naquele evento que fiz lá em casa em 2016 – referindo-se a um evento que me dera o quadro abaixo deste parágrafo – a Dodora foi com o Sérvulo Esmeraldo e ela falou uma coisa que me marcou. Eu tinha umas obras figurativas lá. Ela falou: ‘Marco, seu trabalho figurativo é muito bom, mas o seu geométrico é melhor. E o figurativo muita gente faz’. A partir daí eu parei. Não abandonei porque penso muito no ser humano, mas parei”.

Mais uma obra de Marco Ribeiro

“Meu primeiro trabalho geométrico de 2013 até o trabalho que comecei hoje tem uma linha ligando. É meu traço, é meu suor de artista. Minha geometria vem da arquitetura principalmente arquitetura brutalista, Niemayer, Paulo Mendes da Rocha que fala muito do ser humano como trabalhador, que fala que o concreto armado aparente sem tinta ou reboco é a digital do pedreiro”.

Em algum ponto da conversa, que se movimenta entre seus sofrimentos, relação com dinheiro, família, pragmatismos do dia a dia, a conversa chega no nome de Eduardo Frota, também artista plástico. “Eduardo Frota também é geômetra. Estuda a geometria dentro dos espaços. O trabalho dele é sobre a forma. Não é simplesmente uma escultura, mas sim um trabalho que interfere no espaço.  Então meu trabalho, por mais que seja numa superfície plana, eu busco uma tridimensionalidade. Busco uma forma onde não tenha forma”, explica.

De fato, percebe-se após seus comentários que o artista não trabalha com papel liso. “Eu busco a textura”. Marco mostra, então, uma série de fotos com intervenções da palavra “tempo” aplicada com carimbos. Além de dois cadernos com uma série de colagens contendo diversos registros de tempo e voltamos a falar sobre isso. Passagens de trem, de avião, fotos, folha envelhecida, micro contos, frases, fotos, recortes, lembranças, cartazes, diálogos, estão fixados no caderno. Não sabemos por quanto tempo.

Mais movimento, saímos do tempo e retornamos para a forma. “Quando analiso o gótico, por exemplo, não é sobre o gótico que falo, mas sobre a geometria que pode haver dentro do gótico”, explica, mostrando um livro antigo e raro dentro do qual destacou diversas linhas geométricas em suas gravuras de esculturas imponentes.

Para não dizer que não falei de música, lá fora o flautista Mateus Farias começa a tocar música brasileira e eu escrevo ouvindo repetidamente Tudo foi feito pelo Sol com Os Mutantes. Sobre gótico, o movimento do ponto, Marco Aurélio e a flauta de Mateus Farias, além dos Mutantes e a tradução da própria arte, finalizo com uma frase do artista, “é o básico dentro do complexo”, diz. A exemplo de uma carona na estrada que leva a Caucaia.

 

Hamilton Nogueira e Marco Ribeiro

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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