Foto: Philippe Leon/ Divulgação

O tempo é um elemento fundamental na obra de Paulinho da Viola. Não por acaso ele já fez um samba para o infinito. Esse é seu tempo, sua pressa e sua perspectiva. O olhar sereno, a fala lenta e a mansidão do sambista de 77 anos entregam uma vida – que se reflete numa obra – dedicada à pausa, à eternidade e a tudo aquilo que não é escravo dos ponteiros. Em O Amor é Um Segredo, Zé Renato se veste dessa alma mansa e adapta nove composições do compositor de Coisas do mundo, minha nega para sua voz impecável e seu violão sem excessos.

Produção dividida entre Zé Renato, Tostão e Lula Queiroga, O Amor é Um Segredo foi gravado em tempo recorde. Num dia, em Recife, foram registrados vozes e violões, no outro foram acrescentados detalhes de sopros e percussão. “É o retrato de um dia. Claro que trabalhei muito isso em casa, mas a performance é aquela de um dia só”, confirma por telefone o cantor de 63 anos, nascido em Vitória. Além da admiração por Paulinho, o álbum também explicita sua íntima relação com o violão. “Ele é esse elemento que meio que define pra mim uma interpretação. Não só as músicas que eu faço, mas as que eu canto. Eu sempre tive o violão como base para poder estruturas as canções”, acrescenta.

Já a ideia do projeto e a seleção de repertório nasceu por acaso, quando ele montou uma playlist com canções de Paulinho da Viola. “Essas coisas me soaram super novas, quase inéditas. Depois de ouvir, vi que tinha músicas que estavam ali escondidas. Algumas delas poderiam render um trabalho. Peguei o violão, fui descobrir umas harmonias e comecei a estruturar um disco”, conta Zé Renato que foi testando esse repertório em alguns vídeos postados nas madrugadas.

Por falar nas madrugadas, foi ao longo de muitas delas que nasceu a relação de Zé Renato com Paulinho e com o samba. Paralela à carreira como vocalista do Boca Livre, ele lançou dedicou muito de sua carreira solo a gravar sambas de Zé Keti, Elton Medeiros, Chico Buarque, Noel Rosa e outros. “O samba sem dúvida nenhuma tem uma importância na minha história. Não me considero um intérprete de samba, como um João Nogueira, um Zeca Pagodinho e outros que têm o nome ligado a ele. Mas tenho minha forma de cantar e sempre fui muito bem recebido no mundo do samba, principalmente depois do disco do Zé Keti (Natural do Rio de Janeiro, 1995). Foi um disco importante não só pro samba, mas pro Zé Keti. Acho que aquilo ali aproximou algumas gerações para ele e me abriu algumas portas”, avalia.

Zé Renato conta que sua admiração por todo esse repertório vem da infância, quando seu pai gostava de exercitar a veia de seresteiro acompanhado pelo filho ao violão. A trilha, invariavelmente, era com muita música brasileira e Paulinho da Viola já estava presente naqueles saraus. “Umas das coisas que ele gostava muito de cantar era Coisas do mundo, minha nega. Acho que foi uma das primeiras músicas do Paulinho que eu conheci”, lembra ele que, depois, teve muitas oportunidades de ver o sambista em cena. “Isso acabou sendo referência, fui incorporando à minha carreira. Acaba que essas pessoas foram meus professores”, aponta ele que, apesar do conhecimento técnico, prefere deixar a intuição no comando.

E foi na base da intuição que ele chegou às nove faixas de O Amor é Um Segredo, que já está disponível em streaming e CD. “A maioria dos sambas tem a ver com situações amorosas, descritas de diferentes formas. A maioria tristes, que pra mim são as canções mais bonitas. Acaba que os sambas mais tristes são os mais bonitos”, avalia ele que, na contramão dos amores desfeitos, escolheu um beijo terno para a capa do disco. “Ideia do Lula Queiroga, totalmente dele. É um símbolo de um amor que contem seus segredos. É uma imagem que traduz muito bem o conteúdo do disco. Num momento tão esquisito, tão cheio de brutalidades, isso não deixa de ser um manifesto em favor do amor”.

O Amor é Um Segredo chega entre três outros projetos de Zé Renato. No início de 2019, chegou às lojas Viola de Bem Querer, novo disco do Boca Livre conjunto vocal que Zé divide com Maurício Maestro, David Tygel e Lourenço Baeta. Também no ano passado, ele participou do reencontro da banda Zil, 28 anos depois do show que eles fizeram no Free Jazz Festival. A formação temporã contava com Zé Renato, Claudio Nucci, Ricardo Silveira, Marcos Ariel, Zé Nogueira, Jurim Moreira e João Batista e teve apenas um disco lançado em 1987. E, para 2020, ele pretende lançar Água Pras Crianças, projeto infantil que traz parcerias com gente como Joyce e Zélia Duncan, e a participações de Lenine, Teresa Cristina, Dori Caymmi e Pedro Luis.

Faixas de O Amor é Um Segredo:
1. Um caso perdido (1989)
2. Sofrer (1978)
3. Lua (1981)
4. Só o tempo (1982)
5. Cidade submersa (1973)
6. Foi demais (1979)
7. Vida (1975)
8. Para um amor no Recife (1971)
9. Minhas madrugadas (1968)

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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