Professora dedicou-se por anos na condução de um projeto de sucata e robótica que mudou a vida dos seus alunos na periferia de São Paulo

Hoje, Debora é Gestora de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Foto: divulgação

Ano passado, estive no III Congresso da Associação de Jornalistas de Educação, realizado em São Paulo, onde conheci o trabalho de uma professora chamada Debora Garofalo, cujo trabalho com sucata e robótica para alunos da periferia paulistana havia lhe rendido a indicação ao Global Teacher Prize 2019, uma premiação que reconhece os melhores professores ao redor do mundo, algo como o “Nobel da Educação”. A brasileira ficou entre os dez finalistas, dividindo holofotes com educadores de diversos país, como Holanda, Austrália, Índia, Japão, EUA e Quênia.

E o que levava a professora Debora àquele palco para conversar com uma plateia de educadores, jornalistas, formadores de opinião em geral? Lixo. Isso mesmo. A ideação e condução do projeto “Robótica com sucata promovendo a sustentabilidade”, realizado na Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante Ary Parreiras, foram os elementos fundamentais para o seu reconhecimento pelo Global Teacher Prize.

O projeto consistia  na transformação de material que iria para os lixões em protótipos elétricos. E não somente nisso, no “resgaste da autoestima e na construção do protagonismo do aluno”, como a professora comentou ao nosso blog Doc.Edu, que buscou a professora para tratar um pouco sobre esse projeto de sucata e robótica.

A professora Debora passou os últimos quatro anos andando pelas ruas dos bairros vizinhos à escola com seus alunos recolhendo sucata ao mesmo tempo que dava de cara com as mazelas com as quais seus alunos conviviam. Tráfico de drogas, violência, falta de saneamento básico eram alguma delas. Em sala de aula, era a hora de separar o que poderia ser aproveitado e de usar a imaginação na construção dos protótipos por meio das aulas de tecnologia e robótica.

Em meio às dificuldades comuns à carreira docente e ao contexto social, o projeto trouxe bons frutos. A escola aumentou um ponto no índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o trabalho infantil de alunos teve redução de mais de 90% e a evasão escolar também caiu em porcentagem semelhante. O sucesso da empreitada será replicado em todo o Estado de São Paulo agora em 2020, atendendo a cerca de 2,5 milhões de estudantes de 3800 escolas.

E é sobre essa experiência que a professora Débora Garofalo conversou brevemente com o Doc.Edu. Confira!

Doc.Edu: O Google Teacher Prize veio por conta do projeto de robótica aplicado na EMEF Almirante Ary Parreiras, em São Paulo. O que te motivou a sair da zona de conforto da escola e enfrentar as vielas da periferia paulistana?

Profª Debora Garofalo: O que me motivou foi realmente a situação dos alunos e acreditar que eles poderiam ter um potencial melhor ao utilizar a tecnologia como uma percussora da aprendizagem. E mais do que isso, para que eles soubessem realmente ser protagonistas e multiplicadores de informação dentro da própria comunidade.

Doc.Edu: No Congresso da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), ouvi a senhora comentar que um aluno havia lhe dito que robótica é “coisa de rico”. Como você se sentiu ao ouvir isso o que fez para mudar essa percepção?

Profª Debora: Eles tinham a percepção de que trabalhar com tecnologia e com robótica não era coisa de escola pública, e sim de aluno de escola particular. Ouvir isso me entristeceu muito, porque eles não se sentiam capazes.

Era preciso então um trabalho de levantar a autoestima desses estudantes para que eles pudessem atuar como protagonistas, mas principalmente de uma forma ativa dentro da construção da sua aprendizagem.

É muito triste a gente ver que os nossos estudantes não possuem sonhos, e uma das premissas do trabalho de sucata com robótica foi resgatar um pouco da autoestima desses meninos e meninas através de um trabalho com as mãos, para que eles pudessem então mobilizar toda a comunidade e entender os conteúdos de uma maneira interdisciplinar.

Aprendizados e desafios

 

Doc.Edu: Para além dos conceitos de robótica e reciclagem, o que você acredita que seus alunos aprenderam?

Profª Debora: Meus alunos aprenderam a intervir na comunidade. Sempre falei para eles que não era só aprender robótica, era aprender a intervir na comunidade de uma maneira sustentável. E mais do que isso, serem multiplicadores de informação perante aquela comunidade.

Então, mais do que o próprio ensino de robótica, eles aprenderam a trabalhar com a colaboração, aprenderam a empatia, a se colocar no lugar do outro, a intervir nessa comunidade, aprenderam a ter autoestima, aprenderam que não é o lugar que determina o que eles podem ser na vida, são eles.

Doc.Edu: E o que a senhora aprendeu?

Profª Debora: Eu aprendi demais! Por muito tempo, eu os ouvi falando o quanto a aprendizagem que eu tinha proporcionado a eles tinha impactado as suas vidas. Mas, na verdade, eles nunca tiveram a total dimensão do quanto eles impactaram a minha vida, o quanto eles me fizeram ser um ser humano melhor.

Quando comecei esse trabalho, eu sofri duras críticas pelo fato de ser mulher, de trabalhar com tecnologia… Até os meus próprios colegas de trabalho não queriam que eu trabalhasse de tal maneira porque era algo muito complexo, muito mão na massa, que fugia do tradicional, tinha aulas públicas, tinha esse negócio de recolher o lixo na rua, de conversar com a comunidade… Superar tudo isso só foi possível pela confiança que eles tiveram em mim.

Eu aprendi muito nesse processo, aprendi que a gente pode ter esse olhar de aprender com os nossos alunos.

Doc.Edu: Quais desafios vocês já conseguiu superar na sua carreira de professora?

Profª Debora: Quando nós nos tornamos professores, ainda tem muito aquela concepção de que é só aquele olhar do cognitivo, e quando a gente está numa sala de aula, a gente descobre outras vertentes, aprende que não é só o cognitivo, é formar realmente um cidadão integral, pautado em valores, em princípios, olhando para esse território educativo. Eu sempre fui uma professora que nunca ficou se lamentando por aquilo que não tinha, eu sempre tentei olhar. Quando os alunos me levantaram a questão do lixo como um problema na vida deles, eu olhei aquilo como uma oportunidade de ensiná-los a conviver com essa questão e resolver esse problema

Então, foram muitos desafios, ser mulher, trabalhar com tecnologia… Mas esse foco fez com que eu superasse todas as dificuldades e continuasse na luta com esse trabalho.

Doc.Edu: E quais ainda são difíceis de superar?

Profª Debora: É difícil quando você não é valorizado. Então, o maior desafio é superar essa desvalorização que existe de uma forma muito geral no nosso país com o professor. E ainda é uma dificuldade constante. As políticas públicas precisam tecer esse olhar para esse professor e entender que ele é um profissional, ele é um agente da transformação. Mas eu sou muto otimista. Acredito que a gente está caminhando para um futuro de uma educação que é pautada na qualidade e na equidade. Então, que possamos continuar ser esse agente transformador da sociedade.

About the Author

Eduardo Siqueira

Um jornalista que ama Educação. Minhas experiências me fizeram imergir no universo da Educação, sentindo todo o seu poder transformador e percebendo o quanto ela ainda precisa de apoio. Aqui, busco fazer minha parte e ajudar as pessoas a compreendê-la nem que seja um cadinho.

View All Articles