De um lado, olhares perdidos e que alimentam a esperança de encontrar um lar. Do outro, casais ansiosos por conseguirem chamar uma criança de filho e formar uma família. O que parece ser uma realidade fácil de ser resolvida se revela um caminho árduo em busca da felicidade. No país, há 5.624 crianças aptas a serem adotadas. Para cada uma delas, vivendo em um abrigo, há seis adotantes (casais ou pessoas sozinhas). Mesmo assim, a construção de um lar é lenta e sofrida. Mas uma mudança no perfil das crianças procuradas para adoção tem gerado mais finais felizes.

Desde 2010 o número de futuros pais que escolhem exclusivamente crianças brancas vem diminuindo no Brasil. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a discriminação racial vem caindo significativamente. Se antes 38,7% dos candidatos queriam apenas filhos brancos, atualmente são 22%. A quantidade de casais que aceitam crianças pardas também cresceu, saltando de 58%, em 2010, para 75% em 2016. E os pretendentes que aceitam crianças negras subiu de 30% para 46,7% no mesmo período.

“Os cursos de preparação para adoção realizados pelas equipes multidisciplinares das varas ou dos municípios conseguem mostrar aos pretendentes a realidade das crianças que estão aptas a serem adotadas, fazendo com que abdiquem de idealizações pré-concebidas, notadamente as crianças brancas e com menos de 3 anos”, diz a ministra Nancy Andrighi, corregedora nacional de Justiça do CNJ, em entrevista ao site da entidade.

Do total de crianças aptas a serem adotadas no Brasil, 6% têm menos de 1 ano – preferência entre os adotantes -, enquanto 87,42% têm mais de 5 anos. Quanto à raça, 17% são negros, 48,8% pardos, 33,4% brancos, 0,3% pertencem à raça amarela e outros 0,3% são indígenas.

A não exigência por crianças brancas pode ajudar consideravelmente no prazo para que a adoção se efetive, mas, mesmo assim, em função de todos os cuidados que a Justiça toma em nome da segurança do pequeno, a morosidade ainda é grande.

A demora em conseguir a adoção definitiva foi uma das questões vividas pelos jornalistas Luciana Neves e Rivelino Moreira, pais adotivos de Marcelo, hoje com 3 anos. Eles deram entrada no processo de adoção em julho de 2011 com o preenchimento do cadastro. Entre cursos obrigatórios, entrevistas com psicólogos e assistentes sociais, eles foram incluídos no sistema em março de 2012.

A ansiedade era uma constante. Marcelinho chegou em janeiro de 2013, com poucos dias de vida. “Ele é uma grande bênção na nossa vida. Esperamos por ele por dez meses, quase uma gestação. Lembro que fiquei com isso na cabeça”, conta Luciana.

Para a alegria do casal e da criança, a adoção definitiva foi concedida em março de 2015. “Por mais que a gente saiba que não vai acontecer, sempre vemos notícias na televisão, ouvimos histórias de juízes que mandaram devolver as crianças. Isso mexe com a gente”, diz Luciana, que no mês de julho lança o livro “O menino que morava na nuvem”, sobre a relação dela com Marcelinho e como contou a ele sobre a adoção.

“Ele teve uma reação muito bonita. Eu ia contando para ele em forma de historinha antes de dormir desde cedo e, um belo dia, quando ele já estava com 3 anos, ele parou e falou: sou eu mamãe, sou eu, e me deu um grande abraço”, relata emocionada.

“Espero que o livro possa ajudar outros pais nesse processo. A gente fica muito inseguro, com medo da reação da criança. Então é uma história, simples, verdadeira e bonita que os pais podem usar de base e criar sua própria versão”, completa.

Sobre o medo que Luciana relatou de, no meio do processo, a criança ter que voltar à família biológica, por determinação da Justiça, a advogada Ana Carolina Brochado, especialista em direito de família, alerta que ele procede.

“O risco de a criança ser devolvida à família biológica é concreto. O que o Estatuto da Criança e do Adolescente diz é que só podem ser adotadas formalmente crianças cujo processo esteja devidamente julgado”.

A questão afetiva e a inserção da criança na nova família são levados em conta. “A premissa é de que a criança deve ficar com a família biológica. Mas a vinculação socioafetiva com a nova família pode fazer com que ela permaneça na nova família”.

A adoção é considerada uma medida excepcional, o objetivo é sempre manter a criança com sua família de origem; após esgotadas as possibilidades, e pensando no bem-estar do menor, ele entra para a lista de adoção.

Fonte: Hoje em Dia

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Valeska Andrade

Formada em História pela Universidade Federal do Ceará e em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Cultura Brasileira e Arte Educação. Coordenou o Programa O POVO na Educação até agosto de 2010. Pesquisadora e orientadora do POVO na Educação de 2003 a 2010, desenvolveu, entre outras atividades, a leitura crítica e a educomunicação nas salas de aula, utilizando o jornal como principal ferramenta pedagógica. Atualmente, é professora de história da rede estadual de ensino. Pesquisadora do Maracatu Cearense e das práticas educacionais inovadoras. Sempre curiosa!!!

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