“Comecei a fazer isso desde os meus 9 anos. Perdi minha virgindade com 9 anos, você acredita? Minha mãe não estava me dando as coisas e eu comecei a fazer. Agora eu tenho 14 anos”, explica Letícia, nome fictício.

A prática ocorre nos arredores do Terminal de Cargas Fernão Dias, na Zona Norte de São Paulo, um dos principais pontos de parada dos caminhoneiros que chegam à capital paulista. A reportagem da CBN frequentou o local por mais de uma semana e conversou com crianças e adolescentes que fazem programa para comprar alimentos e usar drogas. Tudo acontece ao lado de uma base da Polícia Militar.

“Fiscalização, polícia, ninguém pega no pé da gente, porque conhecemos os caras. Usamos droga na cara dos caras, dos policiais. Normal”, diz a garota.

Além dessa garota, mais de 20 menores, todos os dias, são exploradas sexualmente nas proximidades do terminal de cargas. Os principais clientes são caminhoneiros que pagam em média 50 reais pelo programa. O crime é concretizado na boleia dos caminhões.

“A gente faz no caminhão, lá no estacionamento, com camisinha. Às vezes a gente vai para o motel. Os caminhoneiros não ficam com medo, não. É de novinha que eles gostam”.

Mapeamento feito pela Polícia Rodoviária Federal mostra que existem 1969 pontos vulneráveis de exploração sexual infantil nas rodovias federais. O Sudeste lidera com 494 endereços, seguido do Nordeste com 475 e do Sul com 448. A pesquisadora Eva Dengler, da Ong Childhood Brasil, explica que a omissão e o baixo número de denúncias dificultam a repressão a esse tipo de crime.

“Denúncia é o primeiro passo para uma mudança. Pegar o telefone e ligar, seja para o 181 em São Paulo, seja para o 100 que é o disque direitos humanos nacional, que é anônimo e gratuito, seja indo ao conselho tutelar mais próximo. A gente precisa realmente avançar muito na questão da cultura da denúncia e na questão da proteção dessas crianças e adolescentes. Denunciar é proteção”, explica.

Segundo a psicoterapeuta e neuropsicóloga da infância e da adolescência do Hospital das Clínicas, Carina D’Alcante, o abuso deixa traumas e pode trazer consequências irreversíveis para as crianças no futuro.

“O risco para a psicopatologia é extremamente aumentado. Dessas meninas desenvolverem depressão, transtorno de ansiedade, transtorno alimentar, transtornos dissociativos e de personalidade. A pessoa sempre vai ter dificuldades em estabelecer vínculos saudáveis com as outras pessoas”.

Em São Paulo, o aliciamento de menores ocorre nas redondezas do terminal de cargas, justamente onde fica a base da PM, mas é concretizado em um terreno próximo, que fica a menos de cinco minutos. A área é da Prefeitura de São Paulo, foi invadida e transformada em um estacionamento irregular. Moradores do entorno pedem há anos para que a gestão municipal retome a área e revitalize a região. Uma das principais reivindicações, segundo a líder comunitária Irani Dias, é a construção de moradias populares no local.

“A demanda de políticas públicas é muito grande, mas a moradia é o mais gritante. Então eu comecei a procurar essas áreas e uma das áreas que a gente identificou, inclusive atráves até do conselho participativo, foi essa área que tem o problema da exploração sexual infantil. Então no mínimo duas mil famílias cabem ali, porque são três áreas grandes”.

A Prefeitura de São Paulo declarou que presta assistência às famílias da região e que tenta na Justiça reaver o terreno. Já a Corregedoria da Polícia Militar informou que vai investigar a conduta dos policiais que atuam no entorno do terminal de cargas.

Mas, enquanto o problema não é resolvido, centenas de crianças, não só em São Paulo, seguem sem referências ou horizontes.

“Não tenho vontade estudar nem fazer uma faculdade. Só essa vida mesmo. Não faço nada. Fico em casa, fumo maconha, vou pro baile. Não tenho motivo para sair dessa vida, é bom. E sozinha eu não consigo”, diz a jovem do início desta reportagem.

Fonte: CBN

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Valeska Andrade

Formada em História pela Universidade Federal do Ceará e em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Cultura Brasileira e Arte Educação. Coordenou o Programa O POVO na Educação até agosto de 2010. Pesquisadora e orientadora do POVO na Educação de 2003 a 2010, desenvolveu, entre outras atividades, a leitura crítica e a educomunicação nas salas de aula, utilizando o jornal como principal ferramenta pedagógica. Atualmente, é professora de história da rede estadual de ensino. Pesquisadora do Maracatu Cearense e das práticas educacionais inovadoras. Sempre curiosa!!!

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