Doença rara só é pouco frequente se contabilizada de forma isolada. Levando-se em conta todas as patologias que recebem essa classificação, o número de brasileiros acometidos soma aproximadamente 13 milhões, segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma)—prevalência que praticamente se iguala à do diabetes no país. Isso corresponde a cerca de 3% a 5% dos nascidos vivos, ou seja, 1,3 indivíduos a cada dois mil. E considerando que 75% das Doenças Raras se manifestam na infância, sobretudo entre zero e cinco anos, elevam as estatísticas de mortalidade antes dos 18 anos de vida.

Ocorre que muitas dessas desordens são progressivas, degenerativas e sistêmicas, ou seja, afetam múltiplos órgãos. Por isso, quanto antes forem detectadas e tratadas, maiores as chances de barrar sua evolução e preservar a qualidade de vida do portador. Em bom português, é motivo suficiente para investir em rastreamento e diagnóstico precoce, além de assegurar o acesso a tratamento adequado.

Recursos nacionais

No intuito de padronizar e otimizar a metodologia de atendimento aos pacientes de doenças raras nos estados e municípios, a rede pública de saúde conta, desde 2014, com um protocolo voltado especificamente a essa comunidade, a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, cujos preceitos estão especificados em um documento chamado “Diretrizes Para Atenção Integral às Pessoas Com Doenças Raras no Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Ele prevê um fluxograma de atendimento aos pacientes, a instituição de serviços de Atenção Especializada ou de Referência, o Aconselhamento Genético e a implementação de Centros

Especializados em Reabilitação. No entanto, há um longo caminho a ser percorrido até que pacientes e familiares possa contar, de fato, com a infraestrutura e os serviços previstos. Por enquanto,são comuns os relatos de falta de atendimento especializado e a dificuldade em manter o tratamento correto, como nos episódios de Minas Gerais, relatados recentemente pela plataforma Muitos Somos Raros, e que ocorrem de forma semelhante em outras regiões do país.

Com apenas 6 anos, a menina Letícia, de Recife (PE), vive essa incerteza. Ela sofre de mucopolissacaridose tipo VI, uma doença progressiva, caracterizada pela deficiência de uma enzima, que provoca inúmeras alterações, como infecções de repetição nas vias aéreas, alterações ósseas, articulares e até cardíacas.

O pai da garota, o gerente financeiro Agadir Faria, conta que ela começou a tomar medicamento em 2014, o que reduziu a evolução da doença a olhos vistos. “Graças a Deus, ela não tem problemas respiratórios, porque iniciou cedo o tratamento. Seus exames cardiológicos, pulmonares, de baço e de fígado estão todos dentro dos parâmetros normais”.

Entretanto, com o passar do tempo, o recebimento da droga pelo governo, estabelecida judicialmente, passou a sofrer interrupções: “No início, ela recebia estoque de medicamento para 6 meses. Depois, o abastecimento passou a ser suficiente para apenas 4 meses. Atualmente, dura apenas 13 semanas. “Com a pausa no tratamento, ela perde a vitalidade. Fica mais cansada e indisposta. Sente dores nas articulações e na cabeça e a qualidade do sono piora muito”, lamenta Faria.

A presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Carolina Fischinger, ressalta que a extensão das consequências varia de acordo com as características de cada doença. Há situações em que os danos são menores. Mas há aquelas em que o paciente regride no que havia conquistado. Ou então, pior: “Existe doença rara em que o portador precisa consumir amido de milho para a produção de energia e, se ficar sem, pode morrer. Trata-se de um produto que se encontra em supermercado, mas, imagina o problema para quem não tem condições financeiras de comprar?”, analisa.

Para se ter uma ideia, o tratamento da adolescente Daniela, 19 anos, de São José dos Campos (SP), custa em torno de dois milhões de reais ao ano. Ela é portadora de mucopolissacaridose tipo IV-A, doença que provoca problemas esqueléticos, baixa estatura e disfunção motora. Diagnosticada aos dois anos, ele usa cadeira de rodas, faz fisioterapia e tratamento com enzimas, por infusão intravenosa. Desde o início de 2015, ela recebe o medicamento do governo, via associação de paciente. No entanto, em 2016, chegou a ficar 45 dias sem o remédio. Agora, o problema vem se repetindo e a carência de medicamento se arrasta desde o dia 17 de fevereiro. “Minha filha se sente muito melhor com a reposição de enzima. Inclusive, ganhou alguns centímetros de altura. Sem tratamento, ela começa a se sentir fraca. Já pensou se o Governo demorar a liberar o tratamento? Ela vai perder todas o progresso que obteve”, lamenta a mãe, Débora Custódio Pereira.

Além do prejuízo físico, a presidente do Instituto Vidas Raras, Regina Próspero, lembra que é preciso considerar o efeito psicológico da dificuldade de acesso. “Quando os pacientes têm seu tratamento interrompido, podem sofrer sequelas irreversíveis ou, até mesmo, vir a óbito. Portanto, só de considerar essa possibilidade, tanto eles como seus familiares enfrentam momentos de tensão, pânico, desestrutura emocional”, alerta.

Caminhos para o acesso

Embora existam medicamentos com eficácia comprovada para desacelerar a progressão de doenças raras e controlar seus sintomas, nem todos estão na lista de remédios oferecidos pelo SUS, a Rename (Relação de Medicamentos Essenciais). No próprio portal do SUS , você encontra a lista de todos os medicamentos de alto custo disponíveis para retirada gratuitamente.

Para obtê-los, o paciente deve procurar as unidades de saúde de sua cidade e estado, apresentar receita médica e realizar um cadastro para a emissão do Cartão Nacional de Saúde, que dará acesso a agendamento de consultas e exames e a medicamentos gratuitos.

Fonte: Revista Crescer

About the Author

Valeska Andrade

Formada em História pela Universidade Federal do Ceará e em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Cultura Brasileira e Arte Educação. Coordenou o Programa O POVO na Educação até agosto de 2010. Pesquisadora e orientadora do POVO na Educação de 2003 a 2010, desenvolveu, entre outras atividades, a leitura crítica e a educomunicação nas salas de aula, utilizando o jornal como principal ferramenta pedagógica. Atualmente, é professora de história da rede estadual de ensino. Pesquisadora do Maracatu Cearense e das práticas educacionais inovadoras. Sempre curiosa!!!

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