A ideia de ter um filho “correndo riscos” certamente não é bem-vista por mães e pais em geral. Mas diversos educadores e profissionais da área vêm defendendo a importância do risco para diferentes aspectos do desenvolvimento infantil: da autoconfiança à coordenação motora. Para esses especialistas, lidar com riscos na infância tem influência no modo como se negocia situações mais complicadas na vida adulta.

Em setembro de 2017, a ISGA (International School Grounds Alliance), entidade que reúne organizações educacionais de diversos países, divulgou uma declaração em que defende a importância do risco na vida infantil. “Uma vez que o mundo é cheio de riscos, as crianças precisam aprender a reconhecer e reagir a eles para se proteger e desenvolver suas próprias capacidades de avaliação de risco”, afirmou o documento lançado em uma conferência da entidade em Berlim.

No site da entidade, há muitas fotos de crianças brincando em situações ao ar livre e na natureza: subindo em árvores e em redes de corda. Uma das fotos traz duas crianças a bordo de uma pequena balsa em um riacho. Vale ressaltar que as publicações e especialistas consultados pela reportagem usam a palavra “risco” sempre no contexto de brincadeiras ou atividades em áreas em que há adultos presentes ou próximos.

Em junho do mesmo ano, o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, direcionado a temas ligados à infância, produziu dois vídeos que seguem na mesma linha. “Ninguém se desenvolve se isolando de riscos”, diz o educador Fabio Raimo no vídeo “Quando o risco vale a pena”.

Essa é também a tônica do livro de um dos mais conhecidos especialistas britânicos em infância, Tim Gill. Em “No fear: growing up in a risk-averse society” (Sem medo: crescendo em uma sociedade com aversão a riscos, em tradução livre), o autor defende que cada vez mais os adultos estão sacrificando as experiências da infância com o objetivo de diminuir riscos.

“O risco sempre tem um impacto, mas as pessoas tendem a focar só no impacto negativo. Nós entendemos que o risco é um elemento inerente da vida e uma maneira de aprender a lidar com os riscos é passar por eles”, afirmou ao Nexo Laís Fleury, diretora do Criança e Natureza, do Instituto Alana.

O ambiente densamente urbanizado, distante ou com poucas opções de contato com a natureza contribui para limitar as opções de pais e crianças. O contato com a natureza, que inclui atividades como subir em árvores, correr em espaços abertos, mexer na terra ou em plantas, pode ter como resultado joelhos ralados, hematomas de quedas ou picadas de insetos. Mas é dessas experiências que nasce o aprendizado. De acordo com Fleury, educadores de escolas que contam com mais espaço ao ar livre, onde o risco é mais provável, dizem que as crianças tendem a se machucar menos.

A especialista ressalta que não se trata de deixar a criança mais suscetível a acidentes ou de correr risco de vida. Segundo ela, ninguém propõe permitir que crianças atravessem a rua sozinhas ou escalem grandes alturas. Como saber qual o limite? Ela sugere que se avalie em cada situação “qual a probabilidade de se machucar e qual a consequência que isso terá na vida da criança”.

“A tolerância é muito subjetiva, muito pessoal. Eu, como mãe, se minha filha cair e quebrar a perna eu aceito isso, acho que faz parte. Alguns pais vão achar inadmissível”, explicou a diretora do Alana. Ela pontua que, em alguns casos, pode-se diminuir a probabilidade de ferimento, por exemplo, fazendo com que a criança corra de tênis em vez de chinelo de dedo.

Consequências boas e ruins

Para além de aprender a lidar com situações “fora da zona de conforto”, especialistas enumeram outras consequências que o risco ou a falta dele podem trazer para crianças.

Para Fleury, do Instituto Alana, as crianças que são constantemente privadas de riscos tendem a ser mais sedentárias. “Fisicamente, elas tendem a ser menos saudáveis, pois se movimentam menos. Há pais que não deixam a criança correr com medo de ela cair e machucar o joelho”, explicou ao Nexo. “Crianças assim tendem a ficar mais obesas, ter sobrepeso.”

A educadora diz que dificuldade maior de concentração também pode ser uma consequência, pois muitas crianças mais protegidas acabam represando sua energia expansiva. “Conversando com médicos, eles veem isso claramente. Nos movimentos, crianças assim têm coordenação motora pior.”

Especialistas também assinalam que proteger demais revela falta de confiança na capacidade da criança. “Quando a criança tem medo, ela para, não arrisca, ela pede ajuda”, lembra Fleury.

Ficar alertando a criança sobre o perigo da ação dela, dizendo “cuidado”, também não é recomendado, segundo a especialista. “Quando a gente fala ‘cuidado!’, já passamos uma insegurança, transferimos para ela o medo. Melhor é antecipar a situação por ela e conter possíveis riscos”.

“O medo do risco por seus filhos é compreensível”, explica Richard Louv, jornalista e ativista em causas relacionadas à criança, no vídeo “Quando o risco vale a pena”: “Temos que proteger nossos filhos. Mas se queremos que cresçam e virem adultos resilientes e seguros, eles têm que correr riscos na infância”.

Fonte: Nexo Jornal

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Valeska Andrade

Formada em História pela Universidade Federal do Ceará e em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Cultura Brasileira e Arte Educação. Coordenou o Programa O POVO na Educação até agosto de 2010. Pesquisadora e orientadora do POVO na Educação de 2003 a 2010, desenvolveu, entre outras atividades, a leitura crítica e a educomunicação nas salas de aula, utilizando o jornal como principal ferramenta pedagógica. Atualmente, é professora de história da rede estadual de ensino. Pesquisadora do Maracatu Cearense e das práticas educacionais inovadoras. Sempre curiosa!!!

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